o riachense

Quarta,
24 de Abril de 2024
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Mária Pombo

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Tenho frio
Se me permitem, esta crónica hoje é escrita em forma de carta, e selada com uma saudade imensa. Escrevo-a a ti, avô, que agora olhas por nós, não sei muito bem onde.
Os dias são longos, agora. Ainda sinto o teu cheiro e ouço os teus passos. Ainda sinto os teus lábios quentes na minha cara, e te vejo a ires quase a correr para dentro da lareira, nestas noites frias que se têm feito sentir.
És um grande homem, sabias? Sim, és! Refilão e exigente, mas grande. E não digo isso por teres feito tanto pelo nosso rancho nem por teres composto músicas tão sublimes nem por teres tocado sempre aquela bandola com tanta mestria. Digo porque sou tua neta, porque me recordo, por exemplo, dos nossos verões em Peniche e tenho saudades deles. Sempre foste um doido. Gostavas de pisar a linha e davas-te bem.
Foste um artista. Na música, na pesca, nas cartas, nas damas… E na distracção. Quantas pessoas nesta terra não terão pelo menos uma história tua para contar? Atrevo-me a dizer que são muito poucas.
Tenho frio. Saber que já não estás cá desconforta-me, arrefece-me o corpo. Perco-me nas memórias e fico gelada.
Recordo-me dos tempos de infância. Ensinaste-me, por exemplo, a pôr as minhocas na linha, lembras-te? Eu não achava muita piada, mas dizias que era para os peixes virem mais depressa e eu ajudava-te. E estas coisas simples fazem parte dos melhores anos da minha vida.
Recordo-me dos teus olhos brilhantes quando me vias passar, pequenina, com o saxofone (quase maior do que eu) pelas ruas, lá no meio da banda filarmónica. E eu nessa altura estava mais atenta a ti do que às notas. Sabia que te orgulhavas e esperava sempre que fosses à porta ver-nos passar.
Recordo-me de pedires sempre para te taparmos a cabeça antes de adormeceres. E sem dar conta sempre fiz isso também; tapo sempre os olhos quando a claridade chega.
Mais velhinho, começaste a ter sempre frio. Andavas sempre de casaco e nunca com menos de dois cachecóis. E agora sou eu que tenho frio. Não estares aqui dá-me um frio tremendo!
Recordo-me de tantas outras coisas… Tantas! Ainda há dias andavas pelo teu pé, e agora vejo-te nas fotografias e quando fecho os olhos e surges no meu pensamento. Fico triste, não esperaste por ninguém para um último abraço.
Tinhas 91 anos, velhote, e foste cedo. Foste cedo demais. Porque pessoas como tu partem sempre cedo e fazem sempre falta a este mundo.
Deixo-te um até já, carregado de uma saudade imensa…
José dos Reis: 1920-2012
 
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