o riachense

Quarta,
01 de Maio de 2024
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Carlos Tomé

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sagrado como o sol que aquece a alma
anda galante chega ao rego encosta ramalhete ainda hoje temos de fazer esta jeira de terra, o boieiro dá um toque com o aguilhão nos cornos dos animais e estes de imediato alinham a caminhada lenta e pachorrenta sob o sol ainda fresco acabado de espreitar por trás dos salgueiros que ladeiam o almonda ao seu passo certo calcando os torrões de terra castanha e rude e sedenta conduz a junta de bois mais o charrueco que o manel em calções pelo joelho agarra com toda a força do mundo tentando aguentar os solavancos e manter a alfaia o mais direita possível e depois é um exasperante ir e vir e vir e ir em passo firme mas vagaroso rasgando a terra e fecundando-a com o suor dos homens ou quase homens e o sol a começar a tisnar a pele e o barrete a pesar toneladas na cabeça e só depois muito depois vem a merenda uma marmita de couves com feijões uma leiva de toucinho rançoso um pedaço de queijo seco um naco de pão de milho e duas ou três goladas de vinho e de novo a terra e mais terra sem medida e o talho que nunca mais o fim se enxerga um dia inteiro para fazer uma geira um dia inteiro ao sol sempre com os melhores companheiros de trabalho cúmplices nas jornadas diárias até ao sol pôr e já muito antes do nascer ainda só a coruja se ouvia piar já as ovelhas eram mungidas e as duas vacas e as cabras e do leite retirado em baldes se fará o queijo para a bucha ou para acompanhar meio litro de vinho no domingo na taberna do largo numa rodada de amigos fiéis e amanhã se há-de passar a mesma terra que agora se rasgou primeiro com a grade e depois com o trilho e a parelha de mulas em passo acelerado levada pela arreata pelo manel que sabe como ninguém conduzir os animais ninguém sabe como aprendeu é um jeito que lhe vem de dentro e antes já havia sido atirada a semente ao chão sacando-a do alforge em gesto firme e arredondado aproveitamento certeiro do cio da terra e só depois muito depois há-de vir a colheita e a eira e a debulha e a desfolhada e os cantares ao crepúsculo quente na eira e o primeiro beijo roubado de soslaio à joaquina e depois os bailaricos com as barroas que vêm de longe para a azeitona e a música louca do acordeão avivando o desejo animando o espírito espevitando o corpo à dança e à noite o boieiro há-de vestir as ceroulas e descansar o corpo e a cabeça há-de vaguear numa misturada de pensamentos e sensações que percorrem todas as artérias e cruzam e descruzam todas as encruzilhadas e hão-de soltar-se ânsias e dúvidas e também desejos e anseios mas aparece sempre certeira a certeza de que a várzea que ainda ontem era um mar de água porque o almonda a invadiu era hoje a sua terra seca suando ao sol à espera de si e dos seus companheiros de sempre não sabe como será amanhã se calhar o gado dará lugar a outros mecanismos se calhar a terra e o modo de a amar não serão os mesmos se calhar esta vida no campo esta terra que nunca mais acaba este trabalho de sol a sol esta réstia de esperança este sol que não esmorece e aquece a alma esta chuva que não dá tréguas este casebre velho que dá abrigo a todas as frustrações esta memória dos pais e dos avós este cântico de respeito pelo trabalho no campo e pelo gado talvez se perca ou talvez não nem ele nem ninguém sabe o que sabe é que quem vier quem cá ficar terá consigo para sempre a marca desta memória colectiva desta comunidade desta gente desta vida rural e isso deve ser respeitado abençoado e festejado para se manter viva a vida para se realçar a identidade própria e porque é ao mesmo tempo natural e sagrado como o sol que aquece a alma
Actualizado em ( Sábado, 24 Março 2012 13:31 )  
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