Basta ir à rua e ouvir as pessoas
Era Bom Poder Desenhar A Escrita Do Tempo
- Portugal está mal, mesmo muito. Nunca se temeu tanto o desemprego, os impostos, a ausência de protecção social, a falta de cuidados de saúde O Estado social foi substituÃdo pelo Estado misericordioso, a sopa dos pobres regressou em força, a caridade ressuscita o apego das elites à miséria alheia.Â
- O ex-primeiro ministro Sócrates promoveu em Dezembro, com a assinatura da Dr.ª Edite Estrela, um almoço para os fiéis. O PS contÃnua desafinado e surdo a entoar a adaptada modinha popular: ora agora mandas tu, ora agora mando eu, ora agora mandas tu, mandas tu mais eu. António José Seguro lembra-me o velho boneco do sempre em pé. A troika sim, a troika não, a troika mas também. Sócrates é um pesadelo, não é verdade? Com um peso enorme na bancada parlamentar e nas autarquias? Como mudar, se o mal corrói internamente?
- Num hotel de luxo brasileiro, gozaram o fim do ano o ministro Miguel Relvas, o ex-ministro e ex-conselheiro de Estado, Dias Loureiro, grande figura polÃtica amiga do Presidente Cavaco Silva, nome muito badalado nas trocas e baldrocas da nacionalização do BPN ,e a  figura proeminente do PSD, o conselheiro LuÃs Arnault, que, nas suas presenças nos debates da Sic NotÃcias das 21,30, se manifesta sempre contra os gastos acima das possibilidades dos portugueses.  O Portugal laranja na sua missão caritativa de dar novos mundos ao mundo!Â
- Não me admira que o ano que começou se não mantenha pacÃfico, ante o cada vez maior roubo fiscal que a maioria PSD-CDS aprovou em relação aos parcos rendimentos do trabalho e das reformas da generalidade dos portugueses, ante o cada vez maior uso do compadrio, da desigualdade, da hipocrisia do discurso, visÃveis nos contratos para os gabinetes ministeriais, secretarias de Estado, administrações de cargos públicos, comissões de inquérito ou de estudos - um sem número de glutões vorazes que se alimentam dos despojos dum paÃs em ruÃnas e da carniça dos cadáveres duma guerra de rapina.Â
- Era bom que a informação escrita e televisiva tornassem públicos os números de suicidas, de mortos cancerÃgenos por falta de cuidados médicos atempados e credÃveis, do aumento da tuberculose, das doenças do foro psiquiátrico, das doenças degenerativas, do foro cardiovascular, que a nova polÃtica de saúde da troika neo-liberal e de controlo merkeliano vai, por um ministro de serviço, ignorando nos seus discursos de propaganda da defesa dum serviço de saúde pública, onde uma das maiores fortunas portuguesas pode colocar gratuitamente um estimulador cardÃaco (pace-maker), mas falta à maioria dos cidadãos a possibilidade de pagar taxas moderadoras nos hospitais públicos cada vez mais esvaziados e próximos dos hospitais da outra senhora.
- Trinta anos de aparente democracia não conseguiram senão a criação dum cidadão resignado que, chegado ao momento das eleições, se deixa levar à cruzinha no partido que mais o ilude, como um boi levado pachorrentamente para o matadouro? Â
- O medo vai ter tudo/, escrevia Alexandre Ó Neill, no seu Poema Pouco Original do Medo, quase tudo/ e cada um por seu caminho/ havemos todos de chegar/quase todos/ a ratos // sim/ a ratos. Passaram 53 anos desde que o poema donde extraà estes versos, foi publicado. Escrito numa crÃtica à ditadura salazarista, não perdeu actualidade. Vive-se, hoje, com medo da própria sombra, ante a maior pulhice da história portuguesa, que é fazer os ricos mais ricos e os cidadãos gente descartável, sem direito a algo mais que a sobrevivência estreita e vigiada, se se portar bem.Não é de hoje  o compadrio polÃtico-partidário, que coloca o/a louvaminhas , o/a lambe-botas, o/a  cola-selos, em cargos de nomeação polÃtica. As redes sociais andam cheias de exemplos. Mas, o nosso mal é que o medo de hoje, já era medo de ontem, e nessa altura, também calávamos. Ao contrário do que cantava o Francisco Fanhais numa canção célebre, Vemos, Ouvimos e Lemos, / Não podemos ignorar, faz-se cada vez mais o contrário.Â
- Seguir, por exemplo, uma manhã de debate parlamentar na Assembleia da República portuguesa, como o da sexta-feira passada, dia 18, cura de vez a esperança que dali saia algo de bom para o povo português. Há um jogo formal de diplomacia de salão, onde cabe pouco do que é intrÃnseco ao quotidiano, à rua, ao mover da vida. Daà que as redes sociais publicitem ementas dos seus menus e preços de restaurante e cafetaria, que são considerados direitos. E é nelas que surgem as reformas de deputados aos quarenta e tal anos, como a aprovação de orçamentos próprios que causam legÃtimo espanto, ante a enorme fatia de empobrecimento que a mesma Assembleia aprova para o cidadão. Daà que o tecido da linguagem tenha pouco a ver com o povo a que servem. Há diferenças. Claro. Felizmente. Mas são raras. E começa a ser necessário uma outra linguagem, uma outra exigência, uma outra forma de participação, uma outra polÃtica. Num parlamento onde não existam só militantes dos partidos, mas que, com as regras do jogoactuais, dependem sempre da «boa vontade» daqueles.Â
- As próximas autárquicas podem ser um exemplo dessa abertura. Ou não. Pelo que se vai lendo, o não é evidente. E a resposta a esta falta de abertura depende de cada um, já que a única arma da cidadania é o de fazer do voto o que lhe apetecer.
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