
Parece, de facto, haver sempre dois lados de uma mesma moeda. Em tempos que já lá vão existiam as famosas classes do povo e da nobreza; e, num lugar aparte, privilegiado e especial, como sabemos, o clero. Ora bem.
Hoje estarão aparentemente diluÃdas as diferenças com a fundação da res publica. Ou seja, com a consciência de que existe uma causa comum, o espaço onde vivemos e a riqueza que gerimos - que é, ou deveria ser, supostamente, colectiva – deixou de fazer sentido o povo de um lado e a nobreza de outro.
Com efeito, com o seu sentido histórico e a determinante abertura universal da Revolução Francesa, todos aprendemos a aceitar o princÃpio de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, cujo, mais tarde, se consubstanciaria, de certo modo, nos chamados Direitos do Homem.
Mas em Portugal e no Mundo continua a haver um sentir, um viver e decidir para os ricos e outro para os pobres. Uma moral, um modo de vida, um preço, um modo de pensar e decidir. Uma estética, uma definição de prioridades e polÃticas.
Encontramos assim um paÃs interior e abandonado, em desertificação assustadora, onde as coisas são difÃceis, o hospital longe, a cultura telúrica e milenar, as mentalidades mais conservadoras, os valores mais tradicionais, a gastronomia mais forte e as distâncias mais encurvadas e longas. E onde, por vezes, ainda sentimos um orgulho castrense, eivado de velhos heroÃsmos fronteiriços. Respeito. Ali houve muitas batalhas e sangue derramado para que fosse nosso aquele chão.
Percorri recentemente esse Portugal bem interior; de Castelo Rodrigo, Almeida, Castelo Mendo, Sabugal, Castelo Novo, Sortelha, Marialva, Idanha-a-Velha, Marvão, Monsaraz e por aà fora, e mergulhei num espaço de História lindÃssima mas socioeconomicamente carente. E mais. Carente de inteligência programática que o salve, encaminhe e recupere.
Se um paÃs sensato e atento possuÃsse o sentido do verdadeiro Turismo global, perceberia que não é apenas o lado litoral, liberal, cosmopolita, finório e hoteleiro que se deve projectar, publicitar e proteger. Vejamos. Amo o meu litoral, de Caminha ao Guadiana, passando pelas ilhas. Possuo casa no Algarve e delicio-me com o peixe grelhado, acabadinho de pescar, com a proximidade do mar, a beleza das praias, tudo isso.
Mas há um potencial imenso no interior que foi e está esquecido; e que, por falta de azimutes definidos e inteligentes, está a entrar dia a dia mais no esquecimento, no abandono e, logicamente, na feia incúria de que não se sai facilmente. O paÃs interior precisa, quase todo, de urgente requalificação.
Aquela Serra da Estrela - sobre a qual, de tempos a tempos, ouvimos promessas repetidas de recuperação imediata - representa um monumento natural incompreendido e prejudicado pelo homem. O célebre Sanatório continua ao abandono, por recuperar; os Centros Comerciais da Torre são entre o bimbo, o atrasado, o feio e a vergonha. Os apoios são quase nulos, a informação deficiente, os gabinetes de Turismo ou ausentes, ou mal indicados, ou encerrados.
A célebre aldeia do Sabugueiro, passei por ela em Agosto e tive dificuldade em conseguir um café aberto. Todo o turismo foi pensado para vender queijos, peles, presuntos e cães. E fez-se um conjunto de casas, incaracterÃstico e feiÃssimo, onde deveria existir um ex-lÃbris de aldeia de montanha, arranjada e bonita na traça e nos materiais, como normalmente encontramos pelas montanhas de todo o mundo. Eu, se fosse Ministro do Turismo, mandava aquele pessoal a expensas do Estado, visitar os Dolomitas, nos Alpes; ou as Astúrias, aqui bem mais perto; ou os Pirenéus. E ver, estudar, apreciar e depois voltar para casa e sentir a aberração estética que ao longo do tempo se foi ali construindo e amontoando.
Em Sortelha, aldeia histórica, à s quatro da tarde de um dia de semana o Turismo estava fechado. Em Castelo Mendo - aldeia medieval lindÃssima - nem uma água se pode comprar em parte alguma - não há comércio nenhum léguas em redor, logo, não há vida possÃvel. Correm-se quilómetros de terras, montes e pastos queimados, com um cheiro irrespirável a rescaldo, miséria e morte de pessoas e bens. Tudo negro. Os restaurantes populares são ruidosos, feios, por vezes sem ar condicionado e com casas de banho vergonhosas. Os restaurantes melhorzinhos praticam preços suÃços, apesar de um serviço abrutalhado e pouco cuidado, lento e pretensioso.
E fico por aqui; pois não há palavras para descrever o quanto poderia ser este velho Portugal e a distância a que está de que isso aconteça.
Igualdade? O paÃs está demasiado inclinado para o mar, onde os polÃticos, futebolistas e vedetas passam férias em Vila Moura e viram as costas a um Portugal sem oportunidades, nem requalificação urgente à vista.
Os pobres e os ricos. Afinal, ainda continua a velha história de sempre.