9 milhões por dia
A brutalidade dos números que vamos conhecendo dia após dia espelha na perfeição os tempos que vivemos. São milhões atrás de milhões, são muitos zeros, muitos pontos e muitas vÃrgulas, são somas a perder de vista. Até mesmo um número relativamente pequeno como é o 4 se torna numa quantia gigantesca, monstruosa, levando-nos a pensar que já não há espaço para coisas modestas, manejáveis, com uma ambição moderada, ou apenas com sentido prático. Esses números maiores que o mundo tornam-nos ainda mais pequenos, encolhidos e amedrontados com a pequenez dos rendimentos de que dispomos (falo por mim e por aqueles que, como eu, ganham pouco mais do que o salário mÃnimo).
Prova desta dimensão esmagadora dos números foi a apresentação ao público de um estudo massivo levado a cabo pela Fundação Manuel dos Santos, uma publicação com mais de 500 páginas, um trabalho mais do que exaustivo, sobre os 25 anos de aplicação de fundos estruturais em Portugal. Se passarmos os olhos pelas centenas de gráficos e milhares de dados estatÃsticos, chegamos a uma simples e triste conclusão, da qual, aliás, já antes suspeitávamos: estes 25 anos podem muito bem ter sido uma oportunidade epicamente desperdiçada. Uns falam em "semi-falhanço", outros em "pouca eficácia", muitos em "má gestão", alguns em "melhorias significativas". E estão todos certos. Mas precisamente por estarem todos certos é que se tornou um problema e chegou ao ponto em que estamos.
Durante 25 anos, entre 1986 e 2011, Portugal recebeu da Europa, em média, 9 milhões de euros por dia. 9 milhões de euros por dia! Desculpem, mas vou repetir: 9 milhões de euros! Por dia! Todos os dias! Inclusive ao domingo, que para alguns é dia de descanso! Nós, aqui em Riachos, saÃmos de casa num domingo de manhã, damos uma voltinha de bicicleta pelas ruas todas, paramos ali junto à rotunda dos bois, encostamos e pensamos: "25 anos, 9 milhões por dia, mas onde? Aplicados em quê? Onde é que se vê o resultado disso"?
Em relação ao que havia em 1986 e ao que temos hoje, que investimentos públicos e melhorias visÃveis temos? Temos mais uma escola, temos um pavilhão desportivo, um museu (inaugurado em 1989), temos duas ou três estradas novas, dois viadutos, um parque infantil, um centro de saúde, quatro rotundas, uma biblioteca, uma galeria de arte integrada no museu, dois quilómetros de passeios, meia dúzia de semáforos, e…? E que mais? Em 25 anos, com todos aqueles milhões por dia, Riachos, uma das freguesias mais importantes do concelho de Torres Novas e da região do Médio Tejo, apresenta um grau de desenvolvimento miseravelmente reduzido, face à quilo que é o nÃvel médio europeu, o qual nos serve como referência.
Em pleno século XXI, continua a faltar saneamento básico em Riachos, como é o caso inadmissÃvel da Costa Brava, as pessoas continuam a ter de caminhar pelas bermas das ruas onde os carros já não cabem, continua um pavilhão desportivo inacabado, continuam os agentes culturais sem um auditório onde possam actuar dignamente, continuam as crianças sem zonas verdes e espaços de lazer, continua o Atlético sem condições para todos os seus atletas praticarem as modalidades em que se destacam, continuam estradas e ruas completamente degradadas, continua um gravÃssimo problema de poluição do ar, da água, e de solos agrÃcolas contaminados (com as consequências nefastas que isso tem a nÃvel de saúde pública), continua a não haver um sistema de transportes públicos integrado e eficaz, continua a não haver um plano energético, enfim, somos uma comunidade com cinco mil habitantes que merece muito mais, mas que foi esquecida e posta de parte pelo poder local e central.
Para mal dos nossos pecados, nestes 25 anos não só deixámos escapar uma oportunidade flagrante de termos uma vida melhor, como em muitos aspectos estamos a regredir, e isto parece-me estar na base da grande desorientação que abala a sociedade portuguesa, sobretudo, aqueles que foram (mal) escolhidos para governar, e que hoje são os principais responsáveis pela gravÃssima situação em que estamos. Continuar a escolher os mesmos é continuar a agravar os problemas. Para recuperarmos este paÃs, esta comunidade em que vivemos, vamos precisar de muito trabalho e muita coragem.