Um novo ciclo, ou mais um ciclo?
O momento que vivemos propicia o reforço de atitudes autoritárias, tal como podemos ver nas pequenas coisas do nosso dia-a-dia. Historicamente, é nos perÃodos de maior desintegração social que surgem, talvez em consequência disso mesmo, protagonistas que recorrem à lei para mostrarem a sua intransigência. O que sabemos é que a lei de hoje pode deixar de existir amanhã, porque as leis, no seu sentido burocrático, são feitas à medida de quem exerce o poder, e este, invariavelmente, muda de mãos e de consciências de tempos a tempos. Hoje, pelos vistos, seguimos uma tendência de imposição autoritária. Se a nÃvel de polÃtica nacional isso está mais do que à vista, a nÃvel local, felizmente, poderá não ser assim. No entanto, não deixa de levantar alguma preocupação.
A composição da Assembleia de Freguesia de Riachos resultou de uma repartição de votos que, à partida, não permitiria ao executivo da Junta adoptar um estilo de governação assente no autoritarismo. Fazendo uma leitura imediata, vemos que os partidos ditos "de esquerda" representam o dobro dos mandatos da lista mais votada, o que deveria levar a uma forte negociação das soluções para os problemas de Riachos, ao contrário de uma forte imposição de soluções pré-determinadas. Aqui, todavia, surge o PS como elemento fulcral de todo este processo. Deixando de lado a CDU e o BE, foi feito um acordo entre PS e GRUPPO no sentido de obterem a maioria absoluta nos órgãos da Junta. Isto não só inverte a lógica que resultou dos votos expressos nas eleições, como poderá vir a legitimar o regresso de um certo autoritarismo, tal como ficou evidenciado na tomada de posse. É aqui que surge o possÃvel trambolhão, não para mim, claro, mas para toda a comunidade riachense.
A última coisa que Riachos precisa neste grave momento, é de um único protagonista que imponha a sua vontade, ou que decida isoladamente. A posição do PS será decisiva na medida em que poderá fazer pender o fiel para um lado ou para o outro, isto é, entre um projecto participado conjuntamente pela população e por todos os seus representantes polÃticos eleitos, ou entre medidas avulsas propostas ou decididas pontualmente pelo presidente da Junta, com o óbvio apoio dos elementos da sua lista e do PS. Ou seja, se democraticamente os riachenses revelaram uma distribuição equilibrada de mandatos, as leis de quem governa permitem criar maiorias autoritárias que distorcem a vontade expressa nos votos. Aquilo que a lista mais votada considerou uma vitória, na verdade foi um empate, e agora viu-se obrigada a procurar noutro partido a força necessária para governar Riachos.
Não são conhecidos os motivos que terão levado o PS a aceitar o acordo com o GRUPPO. Não se sabe se existem pontos comuns nos respectivos programas, não se sabe se estão de acordo quanto à s prioridades, não se sabe qual vai ser o relacionamento institucional entre os seus elementos. Foi um acordo de bastidores. Por exclusão de partes, também não se sabe o motivo pelo qual o PS não fez um acordo "à esquerda", embora se possa perceber que se o fizesse, o GRUPPO dificilmente conseguiria gerir a Junta, uma vez que ficaria em minoria, apesar de ter cantado vitória. Nada disto, portanto, é linear e esclarecedor para a maioria dos riachenses, sobretudo, para aqueles que deslocaram o seu voto de um partido de esquerda para uma lista que, sejamos sensatos, se posiciona à direita. Se a estas questões ideológicas não é dada grande importância a nÃvel local, o que é certo que elas se traduzem em valores, em estilos de liderança, na maneira como o poder se relaciona com as pessoas, e nas prioridades em termos de construção social.
Veremos, portanto, o que dará melhor resultado na prática. Não se pode dizer que o discurso de tomada de posse do presidente da Junta tenha sido entusiasmante ou esclarecedor. Revelou insegurança, centrou-se no currÃculo pessoal, trouxe ao de cima o habitual e contraproducente conflito de gerações, trouxe ao de cima uma experiência pessoal em contexto de guerra, em contexto de hierarquias rÃgidas, trouxe de volta um passado que nada tem a ver com o actual contexto que Riachos, enquanto comunidade, enfrenta. Não estamos em guerra, as hierarquias rÃgidas são estruturas que já não respondem com eficácia à velocidade dos acontecimentos e da informação, para aproximar as diferentes gerações há que dialogar intensamente, sem barreiras, nem preconceitos, até porque são as gerações mais novas que pior estão, que menos perspectivas têm, e que mais afastadas da polÃtica estão.
Adivinham-se quatro anos agitados, se tivermos em conta o que aconteceu na tomada de posse que ocorreu na Casa do Povo de Riachos. Veremos se avançamos, se regredimos, ou até se chegamos ao fim do mandato. Nada nos garante que não vá ser mais um trambolhão.