Liberdade de opinião e desonestidade intelectual
FARPADAS
Começo por afirmar que uma sociedade onde as pessoas não podem dizer livremente aquilo que pensam, como era a sociedade portuguesa de antes do 25 de Abril, não é uma sociedade humana. Por isso eu defendo (e espero não mudar até morrer) a liberdade e a obrigação das pessoas dizerem livremente aquilo que pensam. Mesmo quando não estou de acordo. Por isso, quando eu discuto publicamente as opiniões publicadas com as quais não estou de acordo, é para um confronto público de ideias, é para tentar ajudar na reflexão coletiva, nunca é para limitar o direito dos outros a publicarem a sua opinião.Â
Dito isto, vou tentar refletir o melhor que sei e posso sobre algumas afirmações publicadas no RIACHENSE de 9 de Outubro, página 10, no artigo de opinião do José Moreira “Almoços grátisâ€.
Eu estava em França quando li o artigo e confesso que, depois de o ler, estive uma noite inteira sem conseguir dormir. Estou de acordo com quase tudo o que ele escreveu, mas há duas frases que, ou eu as compreendi mal, ou então são fruto de uma grande “desonestidade intelectualâ€, daquela que deveria dar prisão, como ele escreve na última frase do texto.
A primeira frase é a seguinte: “Infelizmente desde o 25 de Abril, desinvestiu-se muito na matemáticaâ€. A segunda é quando ele escreve que “É importante irmos buscar a velhinha tabuada e voltarmos a fazer as tão sábias e sobretudo tão honestas contas de merceariaâ€.
Eu não sei o que é que o José Moreira entende por investir, mas normalmente “investir†quer dizer pôr mais meios materiais e mais meios humanos ao serviço de uma determinada coisa, ação ou função. Por isso creio que ninguém pode dizer que se “desinvestiu muito na matemática desde o 25 de Abrilâ€. Claro que penso que se poderia ter feito muito melhor, se houvesse quem fosse capaz disso, mas o que faltou não foram nem os meios humanos nem materiais. Se não se fez melhor, foi porque entretanto houve o 25 de Novembro. O 25 de Abril durou apenas 18 meses. A sociedade portuguesa atual resulta do 25 de Novembro e não do 25 de Abril. Investimento era o que não havia antes de 1974. Eu próprio dei aulas nos anos sessenta em Sacavém e as turmas tinham 75 alunos, com três rapazes em cada carteira. Se é a isto que o José Moreira chama investimento na matemática, eu não quero esse investimento de volta.
A segunda frase é fruto de uma grande confusão que existe na cabeça de muita gente entre saber a tabuada de cor, à custa de muita reguada, e saber matemática. A minha experiência diz-me que aqueles que sabiam a tabuada de cor não sabiam matemática, e aqueles que sabiam matemática não sabiam a tabuada de cor, só a sabiam salteada. Saber de cor não dá sabedoria, o que dá sabedoria é saber salteado, mesmo contando pelos dedos.
Antes do 25 de Abril de 1974, mais de metade dos portugueses não aprendeu nem a ler nem a escrever, sendo as mulheres as que tinham menos direitos. Há agora mais alunos no Concelho de Torres Novas, apesar da baixa natalidade, do que havia em todo o Distrito de Santarém quando eu fiz a quarta classe. Nesse tempo havia um liceu em Santarém e uma escola técnica em Tomar. Do estado não havia mais nada. Antes do 25 de Abril, o estado português arranjava dÃvidas para fazer a guerra. Não para fazer escolas, nem hospitais, nem estradas.