A mesa 4 e o grupo dos 25's
Vai demorar algum tempo, talvez pouco mais do que uma dúzia de anos, para que o panorama político e, por conseguinte, a construção social, venham a tornar-se realmente interessantes. Não quero com isto dizer que venham a ser melhores ou piores. Fazer um vaticínio desta natureza seria imprudente, e revelaria desconhecimento da história da democracia, que tem séculos, ou até das civilizações, que tem milénios. Não tenho também qualquer esperança de que a falibilidade humana venha a ser reconhecida ao ponto de finalmente aceitarmos que não temos a mínima ideia do que andamos cá a fazer. Vamos fazendo, depois logo se vê. Tem sido esta a tendência, e dificilmente seria de outro modo.
Ao arriscar uma previsão para a próxima década e meia, faço-o com base naquilo que hoje é observável, retirando daí possibilidades de evolução. Digo que o panorama pode vir a ser interessante a partir de uma constatação muito precisa, que parte da relação entre duas variáveis: a mesa 4 e os grupos dos 25’s. O que significa isto? Não é uma senha encriptada. É simplesmente uma relação geracional, como não podia deixar de ser. Tem-se escrito muito, discutido muito, apontado muito dedo ao conflito de gerações, o que me parece ser altamente improdutivo, para não dizer perda de tempo. Usar a expressão “conflito” quando falamos do que acontece entre pais e filhos, equivale ao uso da expressão “combate” quando falamos de política: nenhuma das partes está disposta a ceder perante o ataque.
Vamos por partes. Mesa 4 é uma expressão de origem e contexto muito riachenses, mas que se aplica em todo o lado. Na mesa 4, os eleitores têm entre 18 e 35 anos, registam uma taxa de abstenção que ronda os 65%, e são aqueles que os partidos tentam cativar, mas não sabem como. A geração da mesa 4 não quer saber de política, não acredita nos partidos, não sabe que projecto de vida pode ter, nem que tipo de emprego pode ter. Esta geração, porém, está em constante ligação com o mundo, é altamente tecnológica, acede a mais informação, e sabe muito bem o que a política na prática realmente é. Os 35% de eleitores desta geração que votam e que aceitam o actual modelo, estão portanto, em minoria. Além disso, sabemos que os decisores que emergem desta minoria são formatados em juventudes partidárias, seguindo uma velha tradição de juventudes políticas que remontam à Segunda Grande Guerra, e se mantêm hoje em várias linhas partidárias.
Os grupos dos 25’s é uma expressão que aqui deixo como sugestão, para caracterizar a geração que protagonizou a revolução e a contra-revolução ocorridas entre 1974 e 1975, as quais marcaram profundamente as últimas décadas deste país. Trata-se de uma geração politizada, activista, partidária, movida por grelhas ideológicas, e crente num modelo social estável, hierarquizado, assente numa governação centralizada. Esta geração, porém, levou o país a uma situação de bancarrota por duas vezes em menos de quarenta anos, manteve intactas as elites económicas em promiscuidade com o poder político, enfim, acusa a geração da mesa 4 de estar a desperdiçar a “conquista democrática” ao não exercer o seu direito de voto, e com isso abrir a porta para se instalarem poderes totalitários. Infelizmente, considero este argumento profundamente demagógico. Primeiro, porque já vivemos num sistema totalitário; em segundo, porque um regime democrático, como estamos a constatar, não é garantia de uma sociedade justa e igualitária, esta sim, a grande utopia.
Se tentarmos encaixar ambas as gerações, percebemos que isso não é possível. Resta-nos, por isso, relacioná-las e tentar perceber, ou simplificar, se possível, algumas tendências. Uma delas, a mais óbvia, é a gradual substituição da geração mais antiga pela mais recente, como que por uma ordem natural dos acontecimentos, a qual, na sua essência, é revolução, ou seja, é mudança. Sem complicar muito a questão, o que poderá acontecer quando o grupo dos 25’s se retirar de cena e a mesa 4 tomar a frente é uma revolução sem ideologia e sem manifesto, mas com ideias, muitas, e em protesto. A manter-se esta despolitização, como se poderá legitimar uma futura minoria de modo a estabelecer-se como governo? Será isso permitido pela maioria abstencionista e apartidária? Que modelo de governação poderá existir numa sociedade democrática pós-partidária? Teremos um modelo regionalista de democracia directa? Como definiremos as prioridades sociais e a gestão da coisa pública? Que modos de vida teremos de articular?
A meu ver, é este o (grande) interesse levantado pela mesa 4. Quem está neste momento no poder, seja económico ou político, é uma mistura geracional oriunda dos grupos dos 25’s e dos seus filhos. Não haverá aqui, como também podemos constatar, grandes diferenças estruturais entre os que uns e outros fazem. A minha secreta esperança vai, sim, para a mesa 4, porque estes terão de encontrar, e vão encontrar, soluções diferentes, espero que mais eficazes, daquelas que estão a ser postas em prática. No fundo, tenho esperança que a mesa 4 entre em ruptura com a continuidade de problemas que já Eça colocava de maneira tão clara nas suas Farpas. Com estas questões, encerro este incrível ano das nossas vidas, este duro e desafiante momento das nossas vidas, para voltar a este tema, se o acaso nos permitir, somente daqui a década e meia, adiantando, com quem ainda cá esteja, um pouco mais sobre este assunto.