o riachense

Quinta,
02 de Maio de 2024
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Porque é que tem que haver super-mulheres?

 
 
O ciclo comemorativo dos 120 anos do nascimento de Maria Lamas serviu de propósito a um debate sobre a condição feminina e a participação das mulheres na vida pública.
 
Se já há mais mulheres do que homens com formação académica em Portugal (desde 1986 que assim acontece) e se elas estão, por isso, mais preparadas para assumir cargos importantes nas empresas, nas instituições e na política, porque é que não as encontramos em maioria nesses lugares? Esta é a uma contradição maior na realidade das relações de género do país e, também, de Torres Novas. 
 
O tema “Politicamente feminino – as mulheres na política local”, debatido na Biblioteca Municipal no passado dia 1 de Fevereiro por quatro mulheres dos principais partidos com representação nas instituições políticas torrejanas, a convite do Gabinete de Edições e Planeamento Editorial da Câmara, é complexo e teve mesmo um tratamento mais abrangente, também com a participação da audiência presente.
 
A iniciativa inseriu-se no ciclo de comemorações dos 120 anos do nascimento de Maria Lamas, e a linha de partida deste debate dinamizado por Margarida Moleiro, Ana Maria Marques e Margarida Teodora foram as histórias de vida da escritora nascida em Torres Novas, ela própria uma super-mulher cujo percurso de vida foi dedicado à dignificação do papel da mulher na sociedade, para que as mulheres não tivessem que ser super. Já lá vamos.
 
 Ana Marta, Lia Ribeiro, Cristina Tomé e Patrícia Santos foram as convidadas do GEPE
 
Em Torres Novas só houve quatro vereadoras desde o 25 de Abril, e duas delas foram eleitas em 2013 (Elvira Sequeira e Helena Pinto). Anteriormente, Manuela Tolda foi eleita em 1989 e Manuela Pinheiro em 2004. Nas autárquicas de 2013 até ocorreu um acaso na Meia Via, onde todas as listas candidatas eram encabeçadas por mulheres, tornando-se na única freguesia do concelho, em dez, a ter uma presidente. 
 
A situação tem vindo a mudar lentamente na política, é verdade, em parte por causa da lei da paridade que, ainda insatisfatória, contempla um mínimo de um terço de cada sexo nas listas candidatas às eleições, quando deveria contemplar 50-50. Cristina Tomé, sindicalista e membro da Assembleia Municipal, nem sequer concorda com a existência da lei da paridade, porque o caminho certo é a responsabilização de cada mulher pela sua própria emancipação. Mas o processo de “auto-consciencialização” é muito lento, diz a Lia Ribeiro, professora de história e igualmente deputada municipal. E ainda mais difícil é a passagem da tomada de consciência à efectiva participação na política e na sociedade. Tem que ser a própria mulher a fazer esse acto de liberdade, mas há “condicionantes conceptuais” vigorantes na sociedade que dificultam essa passagem.
 
A médica Ana Marta viu na sua profissão a chegada das grandes conquistas desde o 25 de Abril: o planeamento familiar, o direito à maternidade, o divórcio, a união de facto, o aborto. Dizem todos os sociólogos que na história contemporânea os filhos sempre tiveram melhores condições de vida do que os pais, mas isso está a mudar, na mais recente geração, lembra. Ana Marta sabe que pertence à geração que é responsável pela degradação do país.
 
Patrícia Picton Santos, jurista, também recentemente eleita à Assembleia Municipal e a mais nova das convidadas do debate, diz que a sua geração viveu muito bem porque os pais trabalharam tanto para isso. A atitude a tomar agora é a mesma: voltar a trabalhar como os nossos pais e lutar pelo regresso do desenvolvimento.
 
Temos de questionar o ponto em que estão as conquistas dos direitos das mulheres, porque não podemos tomar as coisas por garantidas e deixar de fazer política no nosso dia-a-dia, defendeu Cristina Tomé, habituada à defesa dos direitos laborais e conhecedora de muitos casos de discriminação laboral na nossa terra.
 
Acontece hoje em Torres Novas, os homens ganham mais do que as mulheres em empresas que dizem ser de topo, do mais moderno que há no país. A mulher trabalha ao lado do homem mas com vencimento inferior e em condições piores, tal como Maria Lamas registou na sua obra Mulheres do Meu País, onde a justificação dada, em 1948, já era a mesma que ouvimos hoje: estamos num período de transição, o país precisa do esforço. Mas porque se calam? pergunta Cristina Tomé. Porque há assédio moral, com uma violência e uma humilhação tremenda. Há, em grandes grupos económicos, situações continuadas destas, conhece Cristina Tomé, que acha que devemos apelar à denúncia, “pôr a boca no trombone”. 
E há situações inexplicáveis na nossa legislação que enquadram outros tipos de discriminação, notou Helena Pinto, na audiência. Como o quinto mês de licença de maternidade, que só se pode tirar mediante uma redução salarial. É uma lei discriminatória, pois na prática nega àqueles que auferem menos rendimentos o direito de ficar mais um mês de licença.
  
É a conjugação dos factores que marcam as relações de género que prolongam a dependência financeira das mulheres. E o retrocesso do nível de vida em Portugal e das condições sociais – enfim, do desenvolvimento – tende a (re)agravá-los. São muito bonitos os números do aumento da formação das mulheres, da maior participação do homem na vida familiar e outros indicadores, mas “dentro de alguns anos podemos voltar a olhar para alguns dados confrangedores”, avisou Ana Marta Mendes, na análise à situação actual.
 
Lia Ribeiro abordou a condição feminina do ponto de vista da história contemporânea de Portugal. Falou da conjugação dos vários factores: a influência da religião católica, a falta de escolarização, a economia baseada no sector primário e depois no secundário, sectores onde a força masculina se sobrepõe, tradicionalmente, à feminina. Finalmente, com a terciarização da economia é que as coisas mudaram, e acima de tudo com a democratização do acesso ao ensino, que coloca desde logo a mulher no mesmo patamar do homem, onde as mulheres parecem ter mais sucesso porque vêm com a herança de uma grande força de vontade das suas ascendentes.
 
Mas afinal a formação académica, por si só, não significa que a sociedade tenha evoluído assim tanto, conclui-se. A prova são os quinhenteuristas que abundam cada vez mais no mercado de trabalho, licenciados que vão trabalhar para detrás de um balcão. E são também as mulheres que, apesar de mais formadas do que os homens, continuam a receber menos e a ter mais desemprego. Por exemplo, as técnicas superiores em Portugal auferem uma média de 1670 euros, enquanto os homens da mesma categoria profissional auferem 2300 (dados de 2011).
 
Um dos factores de emancipação da mulher foi, sem dúvida, a entrada para o mercado de trabalho, notou Helena Pinto. Só que na maioria dos casos, na prática, o emprego deu-lhe uma segunda jornada de trabalho. A entrada na política deu-lhe a terceira, o voluntariado e a participação nas associações da sua terra, a quarta jornada de trabalho… Tradicionalmente espera-se que as mulheres sejam capazes de muitas jornadas de trabalho porque, diz o senso comum, ‘a mulher é capaz de fazer muitas coisas ao mesmo tempo’, como se tivesse uma predisposição genética... para trabalhar mais.
 
A super-mulher é um mito que essencializa o papel da mulher na sociedade, reforçou Lia Ribeiro. Não continuar a valorizá-lo é talvez a maior conclusão desta reunião de mulheres torrejanas com participação política local. Temos é de aprofundar o debate na sociedade sobre a “necessidade de rever os modelos de organização do trabalho, as culturas, as rotinas, as estruturas e os estilos de gestão tradicionais, a redistribuição equilibrada das responsabilidades familiares, da partilha efectiva do cuidar”, como escreveu, bem a propósito, Sara Falcão Casaca num artigo publicado no Público no dia anterior a este debate.
 
Para fazerem escolhas, para participarem na política e na sociedade, as mulheres não têm de se superar. Não há super-mulheres, o que há é questões culturais, políticas e económicas. A Cristina Tomé não acredita nos rótulos e conclui que, no trabalho de ser mulher, não há tarefas definidas.

Actualizado em ( Quarta, 12 Fevereiro 2014 16:25 )  
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