O bicho papão
A soma de todos os medos. Incapazes de temer sentimentos, sensações ou experiências, os pequenotes materializam o medo numa personagem. Sentem-se ameaçados na escuridão, temem a ausência da mãe, sentem-se desprotegidos e com medo do desconhecido mas tudo isso se personifica no bicho papão ou num outro monstro qualquer que vive debaixo da cama, num canto escuro ou perto de uma coisa em que sabem que não devem mexer.
E nós, adultos, de que temos medo?
Há dias vi uma entrevista envolvente com o jornalista português Henrique Cymerman, correspondente da SIC (e outros órgãos de comunicação) no Médio Oriente, e aí contactei com um medo bem real e ao mesmo tempo bem adulto. Todos nós temos medo de morrer e temos pavor de perder uma pessoa que amamos. O jornalista confidenciou a propósito de uma experiência aterradora que viveu como habitante de Tel Aviv. Há uns anos a esta parte, à noite, foi contactado pela SIC para fazer um directo a propósito de um atentado bombista numa discoteca da cidade. O jornalista petrificou. A sua filha tinha saído para ir à discoteca com as amigas. A mesma discoteca alvo do atentado. Descreveu então o seu pânico nos minutos seguintes em que tentava contactar a filha e não conseguia e ao mesmo tempo era pressionado para entrar em directo e relatar a notícia. Contou que algum tempo depois conseguiu falar com ela e que felizmente Dana estava a sair do autocarro, na paragem perto da discoteca, quando se deu a explosão. Uma questão de minutos.
Imaginamos um dia-a-dia com medo de andar de autocarro, comboio, metro ou avião? Sem saber quando uma mochila deixada na estação de metro ou num comboio explode? Ou quando estamos no nosso escritório e um avião sequestrado entra pelo edifício e acaba com o nosso sonho de felicidade ao lado do marido e dos filhotes que adoramos?
A insignificância política e económica do nosso país no contexto mundial descansa-nos neste aspecto mas conseguimos imaginar como é que um norte-americano, um londrino, um madrileno ou um israelita vive com este pânico? Imaginar que alguém pode retirar vidas (e sonhos) a civis, a famílias, para fazer passar uma mensagem ou reivindicar algo? Se calhar achamos que, pelo facto da possibilidade de atentado ser constante no dia-a-dia destas pessoas, esse medo é minimizado. Não me parece. Há dias, a propósito do décimo aniversário do atentado de 11 de Março em Atocha, uma das espanholas entrevistada dizia que cada vez que apanhava o comboio para ir trabalhar se lembrava das pessoas que perderam a vida ali. E pensava “e se…”. Imagina-se o pavor de um nova-iorquino nos últimos dias com a dúvida em redor de um avião fantasma que ninguém sabia onde estava?
Quando se é pequenote e se tem medo do bicho papão a mamã com o seu colo e muitos miminhos devolve o conforto e a segurança, desvanecendo a imagem de alguém ou algo que nos quer fazer mal.
E nós adultos? Como conseguimos sossegar os nossos medos quando eles são reais?