o riachense

Quinta,
02 de Maio de 2024
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Trincão Marques: o que mais se deve ao 25 de Abril é a libertação da capacidade de intervenção das pessoas

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«Em Riachos as grandes iniciativas populares, sem a autorização reverencial, foram a Sópovo e O Riachense»
 
Carlos Trincão Marques foi o presidente da primeira Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Torres Novas (houve duas antes das eleições de 1976). Acompanhou o processo revolucionário no concelho desde o início e relembra esse período como “o mais importante e aliciante” da sua vida. Tivemos uma conversa com ele, a propósito das comemorações das quatro décadas dessa época.

O que é que em Riachos e no concelho actuais mais se deve ao 25 de Abril?
 
O mais importante resultado do 25 de Abril terá sido uma libertação da forma de estar da sociedade, em relação à sua capacidade de intervenção. Antes vivia-se numa situação permanente de dependência em relação a determinadas pessoas, que representavam as estruturas políticas e administrativas, e nada se podia fazer sem haver uma aquiescência das estruturas que eram corporizadas por essas pessoas.
Claro que já antes do 25 de Abril começou a haver tentativas diversas de procurar métodos de actuação que fossem contra esse status quo. Riachos nesse aspecto era uma terra um bocadinho especial, no meu ponto de vista, porque a própria estrutura humana fundava-se muito mais na agricultura e o agricultor riachense, situado naquela transição entre o norte e o sul do Ribatejo, nunca foi muito ousado nas suas iniciativas, o que se reflectia na sociedade.
No final da década de 60 houve uma iniciativa importante, a Semana Riachense, que foi promovida por jovens ligados à igreja, e isto já foi feito, digamos assim, à revelia do poder instituído, já não foi com autorização prévia de quem mandava. Foram feitos vários colóquios, entre os quais um sobre o Alves Redol, que tinha morrido há pouco tempo, com uma exposição itinerante sobre a sua vida, que foi aquela que causou mais frisson…
Em Torres Novas, por outro lado, já havia uma actividade muito grande, nomeadamente do Cineclube, impulsionador do Movimento Inter-Colectividades (MIC).
A seguir ao 25 de Abril, o principal ponto foi mesmo o libertar a dependência das pessoas em relação aos tais poderes instituídos, o que foi difícil, mas que deu resultado até aos dias de hoje. Em Riachos temos o exemplo de duas instituições que eram completamente impossíveis de existir na época anterior: a Sópovo e O Riachense. Foram as grandes iniciativas populares, iniciativas directas, feitas por pessoas, sem a tal autorização reverencial.

Nesse processo, o papel da primeira Comissão Administrativa da autarquia terá sido importante.
 
Em Torres Novas, o objectivo fundamental da primeira Comissão Administrativa da Câmara, nomeada em Junho de 74, era conseguir a participação activa da população no conhecimento da gestão camarária e utilizar os meios de comunicação de modo a transformar a vida administrativa num verdadeiro pólo de atracção e discussão do concelho. Logo resultou, a muito curto prazo, o aparecimento de cerca de 130 comissões de moradores. Não havia nenhum critério para elas, as pessoas apareciam. Ainda há pouco tempo estive a ver uma cópia da composição das comissões de moradores, e havia muitas pessoas que entretanto foram para os mais diversos partidos, até o CDS, enfim todos.
Passou a não haver nenhuma coação ou limitação à intervenção das pessoas e isso permitiu uma dinâmica social muito grande, embora depois a estrutura política se tenha alterado com a entrada em vigor da Constituição e da nova Comissão Administrativa. Mas esse espírito de libertação das peias de reverência em relação ao poder mantém-se até aos dias de hoje.
Mais importante do que dizer que se fez isto ou aquilo, a nível de obras, porque isso é uma coisa que a gente pode estar de acordo ou desacordo, pode ser uma coisa conjuntural, eu penso que o que foi mais importante foi essa libertação. Riachos então, sofreu uma libertação muito grande das pessoas, e isso vê-se ainda hoje, com as pessoas a tomar iniciativas e a agir.

O que aconteceu a essas comissões de moradores?
 
A Câmara na altura estava numa grave situação financeira, com sete milhões de escudos de dívida, e a única maneira de fazer obras era com a participação das populações; a população dava o trabalho e a Câmara dava meios de produção, fizeram-se muitas coisas no concelho assim. A Câmara estava realmente numa situação muito difícil. O lugar de presidente estava vago, o Sr. Fernando Cunha tinha saído e o Joaquim Bicho estava como vice-presidente interino, enquanto não era nomeado um presidente.
A nossa Comissão Administrativa tinha uma acção muito grande a nível distrital, dirigíamos reuniões inter-camarárias. Após o 25 de Novembro houve uma tentativa de limpar as Comissões Administrativas que vinham do 25 de Abril. No nosso concelho, o argumento utilizado foi que participávamos em treinos de tiro nos pára-quedistas! Era falso, era preciso não conhecer as pessoas da Comissão Administrativa para dizer isso… Era eu, o Agostinho Alves dos Santos, que depois fez parte da segunda Comissão, o António Canais, o Carlos Tavares, o Carlos Pereira, de Riachos, o Manuel Nicolau e a Maria de Lurdes Barroso. Em vez de dizerem “acabou-se, vamos nomear outros”, vieram com este pretexto que, como é conhecido, deu uma agitação muito grande. Eu não descansei enquanto não foi desmentido que estávamos envolvidos na situação que deu origem ao 25 de Novembro.

Foi eleito vereador nas primeiras eleições autárquicas, quais são as recordações imediatas que tem quando se lembra desse mandato?
 
Na primeira Câmara houve um trabalho muito bom, porque o Dr. Natal da Luz não teve complexos nenhuns em trabalhar com as pessoas. Houve uma distribuição de pelouros por todos os vereadores, e entregou-nos a nós, CDU [FEPU na altura], o pelouro da cultura, desporto e associativismo, que normalmente é um pelouro que as presidências nunca querem largar, porque é o pelouro que permite o contacto com as pessoas.
Mas o período mais aliciante da minha vida foi o da Comissão Administrativa porque não havia dinheiro, mas havia o envolvimento das populações. Uma experiência magnífica, ainda hoje muitas pessoas que me encontram falam-me de obras que se fizeram, algumas de que já nem me lembro. Não havia interesses nenhuns, os vereadores e a presidência não auferiam um centavo. O que não quer dizer que isso devesse ser uma situação futura, mas demonstra o grande empenhamento que houve.
Ainda no tempo da primeira Comissão Administrativa foi quando houve a primeira comissão de despoluição do rio Almonda e foi assinado o primeiro contrato para o projecto de despoluição do rio, foi iniciada a construção do tribunal novo, houve uma série de coisas que não têm placa inaugurativa porque nessa altura não se usava.

Comemoram-se os 40 anos do 25 de Abril numa conjuntura de submissão total ao poder económico e, pela primeira vez, de retrocesso dos direitos civis, laborais e das condições de vida. Estamos no fim de um ciclo histórico?
 
No Estado Novo, a submissão ao poder económico era nítido, depois houve um período a seguir ao 25 de Abril em que se procurou inverter essa situação mas ela nunca deixou de existir. Logo a seguir ao 25 de Novembro, por exemplo.
Agora começou-se a retroagir, mas que isso signifique o fim de um ciclo histórico, não sei se perfilho essa ideia, não sei se já lá chegámos. Embora essa seja uma tese que possa ter acolhimento, não penso que o ciclo já esteja na sua fase terminal.

Parece que está a solidificar no discurso dos actuais governantes a ideia, subentendida, de atribuir o 25 de Abril a um facto da esquerda e não como um momento fundador da democracia portuguesa, um facto histórico consensual.
 
Aqui há dias o Pacheco Pereira, com quem até nem tenho muitas afinidades ideológicas, disse que “quem é contra o 25 de Abril, é contra a democracia”. É um bocado isto.
No nosso concelho aconteceu uma coisa engraçada. Os sectores que dominavam a política antes do 25 de Abril, as pessoas e as estruturas, as famílias que dominavam a vida no concelho, que tinham lugares importantes no regime, algumas até de destaque a nível nacional, desapareceram, ao contrário do que aconteceu noutros concelhos, onde mais tarde retomaram o poder, directa ou indirectamente. Aqui não, houve como que uma ‘limpeza’ e há explicações para isso. Entraram na vida política do concelho estruturas sociais completamente diferentes; professores, empregados… aquilo a que normalmente chamamos os intelectuais. Torres Novas tinha uma característica um bocadinho especial, tinha um sector intelectual ou para-intelectual com algum peso, o que permitiu isso. Ao longo de todo o período do 25 de Abril para cá, veja a estrutura social dos presidentes, dos vereadores que passaram pela Câmara. 

Depois do 25 de Abril não houve políticos em Torres Novas com relações ao regime anterior?
 
Não. Isso era uma análise que se havia de fazer. Os estudos que aqui se têm feito sobre o 25 de Abril são todos sobre o período anterior, ninguém pegou nisto ainda.
Actualizado em ( Quinta, 24 Abril 2014 12:18 )  
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