o riachense

Sexta,
26 de Abril de 2024
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Quarenta anos, pá, e agora?

Não nasci em Riachos, nem nela vivo. Tem o seu quê de exclusão, por muito que se tente superar o défice de regionalismo. Também não estou inscrito em nenhum partido político, tendo optado desde 1985 por uma independência crítica, já que defini como regra de participação a unidade entre os parceiros de esquerda. Não creio que Abril, 40 anos volvidos, tenha perdido a essência, entre quem acreditou que a liberdade, o pão, a educação, a saúde, a habitação, começavam por aí. Mas que a separação das águas, fomentada à esquerda, pelos puristas ideólogos que nunca ultrapassaram o marxismo-leninismo do início do século XX, só tem criado mais derrotas que vitórias, basta reanalisar o fluir destes quarenta anos.

 Sou um dos defensores duma nova mentalidade à esquerda, mais amplificadora, que não contraditoriamente escreva o velho manuscrito do orgulhosamente sós de Salazar, nem se fique pela superioridade moral dos comunistas ante todos os outros desprezivelmente considerados como radicais pequeno-burgueses. Nunca ignorei os Processos de Moscovo, nem as invasões da Checoslováquia, a limpeza de Pol Pot, a Praça de Tianamen, as cadeias cubanas.

Nunca deixei de tentar desculpar a esquerda dos seus abusos, pela real e continuada ameaça do imperialismo americano e seus serviçais europeus. Mas também não ignorei e perdi a ingenuidade, ante as purgas do livrinho vermelho de Mao-Tse-Tung, ou a viragem capitalista do Partido Comunista Chinês, mais preocupado no mercado mundial , que na melhoria das condições de vida dos seus camponeses e operários. Um novo paradigma, para um século em que a tecnologia pode resolver todas as desigualdades, mas noutras mãos.

Sou por uma Europa , onde encontre à janela dos dias por viver, Camões, Shakespeare, Espinosa, Voltaire, Vitor Hugo, Marx, Rimbaud, Apolinaire, Breton, Pessoa, Kafka, Cerasiny, Éluard, Jorge de Sena, Hannah Arendt, Asterix, Proust, Torga, Assis Pacheco, Gorki, Thomas Mann, Morávia, Calvino, Dostoievski, sombras de sombras de muitos outros. Uma Europa da diversidade com a defesa da cidadania comum nos princípios básicos da existência. Sou um compagnon de route de Lenine, como de Trosky, como de Rosa Luxemburgo, como de Gramsci, como de Cunhal, como de Bertrand Russell, como de Foucault. Guardo no meu relicário de ternura Charlie Chaplin, Drummond de Andrade, Picasso, Che Guevara, Neruda, Lorca, Garcia Marques. Vivi, mantenho, uma vida de combate pela justiça social, pela igualdade de direitos, pela liberdade, pela qualidade de vida de cada ser humano, no seu direito inalienável à dignidade individual, como ser único.

32 anos antes de Abril, formaram, numa família republicana e antisalazarista, o meu ABC de luta contra o fascismo e a ditadura . Nunca deixei de estar no lado esquerdo da vida, o lado da poesia, do sonho, do coração.

 No caso de O Riachense, é óbvio. Devo ser dos colaboradores mais assíduos dos últimos anos. Não sei que influência tem, mas a página da internet do quinzenário vive um pouco do que semanalmente lá se coloca.

Que o executivo camarário só conheça quem é quem do 25 de Abril pelos manuais do diz-se diz-se, não me espanta, quando os seus interlocutores, os seus assessores culturais só se vêm no espelho das futilidades e o poder os quer assim, mansos e devotos. As terras pequenas vivem muito das cunhas e das amizades e não é fácil chamar os nomes pelos bois, indo contra os moinhos duros da história estabelecida. 

Mas que o jornal para que escrevo semanalmente me tenha ignorado na edição dos 40 anos do 25 de Abril, doeu-me. Não por mim, que não sou importante, mas pelos que, como eu, nada representam para o mundo das elites políticas e são silenciados pelos crónicos coleccionadores dos lugares públicos. Os tapumes do facciosismo partidocrático continuam a fechar as portas que Abril abriu, tudo em nome dum encostar-se às benesses que o poder político actual se permite transformar na história que é a que se deve ensinar. 

Que a Biblioteca Municipal trate Abril como uma propaganda de elogio do passado não me admira. Já outrora critiquei as comemorações do 5 de Outubro como um enterro celebrado anualmente, para consolo moral dos oposicionistas do regime fascista. Fazer do 25 de Abril uma perpétua elegia dos anos de prisão dos comunistas (respeite-se, solenize-se, avance-se), é ignorar os quarenta anos de luta em democracia, que nos trouxeram até hoje, é desrespeitar a pluralidade de quem procurou sempre impedir o recuo que a direita tem tentado implantar neste país. 

O povo que esteve no Carmo, em 25, tem uma outra história, diferente da do discurso do Presidente da Assembleia Municipal de Torres Novas, na Praça 5 de Outubro. Mas há quem só queira estar com os outros, se os dirigir.

Comemorar Abril tem de ser outra coisa, que exija transparência, denúncia e julgamento dos corruptos, eliminação do desemprego e da hipocrisia das misericordiazinhas à Santana Lopes, Marcos Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa, só para citar alguns dos profissionais lava-tudo do regime. Enquanto as gangues que tomaram conta deste país não forem desmanteladas e os seus chefes mafiosos julgados por uma justiça diferente da que temos, não passamos de peregrinos de mágoas da festa que foi bonita, pá. Mas essas gangues não são só a vergonha do BPN, do BCP, do BES. Começam no nosso meio, nos poderes autárquicos que temos, nos favoritismos que se apaparicam, no que se silencia por medo, para não fazer ondas, por causa do ressalto. Não foi isso que as comemorações locais do 25 de Abril mostraram. E foi pena que o jornal em que escrevo se tenha esquecido que o futuro é mais do que os nomes habituais dos retratos das efemérides.

30 de Abril de 2014 

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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt 

Actualizado em ( Quinta, 01 Maio 2014 10:51 )  
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