Mar alto
A zona costeira de Portugal Continental é extensa e reveste elevada importância. Estende-se por quase mil quilómetros, concentra mais de três quartos da população, possui uma densidade populacional dupla da média nacional (a que acrescem fluxos sazonais consideráveis) e produz a maior parte do PIB português. As previsões de desenvolvimento futuro apontam para o acentuar desta tendência de concentração demográfica e económica.
Este contexto de ocupação e valorização crescentes da zona costeira de Portugal Continental atribui grande relevância à necessidade de conhecimento e abordagem das alterações climáticas (aumento da temperatura global da atmosfera, modificação do regime de ventos e pluviosidade, bem como a ocorrência mais frequente de fenómenos meteorológicos extremos), das suas consequências (elevação do nível médio do mar e do regime de ondulação e temporais) e dos respectivos impactos na zona litoral (maior probabilidade e extensão de inundação, intensificação da erosão, assoreamento e intrusão salina).
O nível médio do mar irá continuar a subir de modo acelerado, sendo já atualmente de 3 milímetros por ano. Projeções recentes, baseadas em vários cenários socioeconómicos globais, indicam que a subida do nível médio do mar no final do século XXI, relativamente ao presente, terá valores compreendidos entre 75 centímetros e 190 centímetros.
As principais causas para o aumento do nível médio do mar são a expansão térmica dos oceanos, a fusão dos gelos nos glaciares e nos polos (em particular na Gronelândia e na Antártida), bem como o uso dos reservatórios subterrâneos de águas terrestres.
A evolução das alterações climáticas neste século e das suas consequências no que respeita à subida do nível médio do mar é um problema de grande importância para Portugal, que deve fomentar o seu conhecimento e discussão, não apenas pela comunidade científica mas também por todos os sectores da sociedade.
Com efeito, os índices de ocupação humana da zona costeira mundial e portuguesa continuam a crescer, avolumando as pressões sobre uma faixa estreita e extremamente vulnerável, que foi bastante afetada nos últimos temporais de Inverno.
Para além de medidas de mitigação das alterações climáticas (como a redução da emissão de gases com efeito de estufa), devem promover-se medidas de adaptação à subida do nível médio do mar, como processos de resposta em que se procuram minimizar os efeitos dos impactos atuais e futuros das alterações climáticas nos diversos sistemas naturais e sociais.
O que pressupõe a adopção de uma estratégia com prévia avaliação integrada das vulnerabilidades e impactos nos vários sectores socioeconómicos e sistemas biofísicos, bem como uma reaprendizagem do nosso relacionamento com o mar, que promova a disciplina e a prevenção na ocupação urbanística das zonas costeiras.
Os elevados valores intrínsecos das zonas costeiras, de ordem natural, económica e social, constituem a principal justificação para a sua gestão sustentada, de forma a podermos deixar às gerações futuras um património melhor compreendido e mais saudável.
O grande paradigma de Portugal, que é o mar, não desapareceu. Irá, pelo contrário, acentuar-se. Cerca de 97% do território português é constituído por mar e apenas 3% por terra firme. O peso ancestral da nossa História é incontornável e começa de novo a vir ao de cima, com o ressurgimento contemporâneo do mar no nosso pensamento estratégico, como sinónimo de modernidade, de inovação e de enorme oportunidade.
Nas palavras de Fernando Pessoa, “Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”.