o riachense

Sexta,
03 de Maio de 2024
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Joaquim Alberto: “é notável como a malta de Riachos se organizava bem”

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“Ainda estou em França porque nunca consegui ganhar em Portugal o suficiente para viver como pobre mas com dignidade!”

Tínhamos combinado o encontro para sua casa e cheguei à hora marcada, ao fim da manhã. Um abraço, um “então, estás bom?”, duas cadeiras à volta da mesa, dois copos de água fresca, “está um calor terrível”, o caderno, a esferográfica e o gravador. E a fala com Joaquim Alberto Lopes Simões. 
 
Ao longo de vários anos de conhecimento, as nossas conversas já tinham passado pela música, pelos petiscos, pela política, pela cultura, pela intervenção cívica, pelo trabalho ao serviço da freguesia, pela descoberta de um país, pelas histórias do mundo, pelas histórias dos emigrantes. Hoje a conversa seria diferente. O Joaquim Alberto iria falar dele próprio. Revisitaria a memória de há 50 anos. E começaria por recordar o dia 22 de Setembro de 1966, aos 27 anos de idade, quando pagou 750 escudos e apanhou o autocarro que o levou até Paris. A viagem de comboio custava 1500 escudos, mas esse era o total do dinheiro que ele tinha e o autocarro sempre ficava por metade do preço.
 
Em Paris
Mas, afinal, que motivos levam um homem a mudar de vida e ir para França nesse já distante ano de 1966?
 
Eu fui por razões diferentes da maioria dos riachenses. Fui para Paris estudar sociologia. Tinha acabado o curso do Seminário e para ser ordenado padre só me faltava pedir mas, como eu não fiz esse pedido ao cardeal patriarca, ele mandou-me embora. Esta decisão acabou por precipitar a minha ida para França.
O curso de sociologia já era um desejo durante o Seminário, por ser um curso novo que estudava os movimentos sociais, e alguns dos superiores estavam de acordo, mas queriam que eu fosse estudar para Roma e até perguntavam “que razões te levam a querer ir para Paris e não para Roma?”. A esses eu respondia “pelas mesmas razões que vocês querem que eu vá para Roma e não para Paris”.
 
Um estudante, sozinho, em Paris, acaba por ser um emigrante e terá dificuldade em viver sem um emprego. Consegue-se conciliar o estudo e o trabalho?
 
É claro que, já em Paris, precisava de dinheiro para sobreviver e acabei por ter que ganhar a vida e arranjar emprego, porque não podia estudar sem trabalhar. Mas as coisas acabaram por se tornar mais difíceis no 2º ano, porque não paravam de chegar portugueses a França e eu tentava desenrascar as pessoas, até que cheguei a um ponto em que nem tinha tempo para pensar. A estudar, a trabalhar e a ajudar os que chegavam, alguma coisa tinha que ficar para trás. Ficou o estudo…
 
Abandonada a primeira razão da ida para França, ficava o apoio aos portugueses e o trabalho. Ficavam as tarefas cooperativas da organização da casa e a primeira linha da recepção aos que saíam de Portugal. E ficavam episódios de pressões contados pelo Joaquim Alberto.
 
Quando cheguei a Paris fui morar para Clichy para a casa dos padres operários (Fils de la Charité) onde tinha cama e mesa. Eram padres que celebravam missa mas também trabalhavam como operários. No segundo ano em que lá estive, o superior dos padres operários propôs-me ficar num outro apartamento em Colombes (perto de Clichy) para juntar ali diversos diáconos e mesmo padres que pudessem mais tarde desenvolver um projecto idêntico em Portugal, que tinha o acordo do cardeal patriarca. 
Acontece que, quando já estavam quatro diáconos, um padre e eu próprio nesse apartamento o patriarca escreveu ao superior dos padres operários a dizer que, se queria organizar um projecto desses em Portugal, teria que me excluir porque as minhas ideias eram perigosas para todos esses diáconos. 
Como não queríamos prejudicar ninguém, acabámos por alugar uma casa também em Colombes. É claro que, nessa ocasião, todos tivemos que arranjar trabalho.
O riachense Pereira de Sousa, por exemplo, foi trabalhar como professor de francês para os portugueses que eram operários na Renault. O padre Fernando Belo, que tinha o curso de engenharia, foi trabalhar para um laboratório. Todos encontraram uma actividade. Eu era o único que sabia fazer trabalho manual porque tinha feito o curso de serralheiro, tinha trabalhado em Alverca e já tinha alguma experiência, então fui para bate-chapas.
Este episódio não nos fez desistir e ainda nos deu mais força porque percebemos que os portugueses que chegavam a França precisavam de apoio.
 
Os riachenses
Entretanto, alguns riachenses que atravessam a fronteira a salto levam na bagagem a direcção deste apartamento de Colombes que, para esses, serviu como ponto de apoio nos seus primeiros tempos de emigração em Paris. Joaquim Alberto, enquanto fala, reconstrói o apartamento, coloca as pessoas nos espaços, conta histórias, revê a odisseia de alguns deles.
 
Quando tínhamos a casa de Colombes chegaram a estar lá quase 40 pessoas. Acabou por ser um espaço de acolhimento para muitos jovens que fugiam de Portugal para escapar à guerra colonial e um local de apoio para os emigrantes que iam para fugir à miséria económica.
É notável como a malta de Riachos se organizava bem e conseguia gerir o apartamento, apesar de não ter experiência de fazer camas ou lavar roupa. Já os mais jovens, que tinham fugido à guerra, não conseguiam ter a organização nem o cuidado que tinham aqueles que iam só para trabalhar, para fugir à miséria.
 
E passaram por esse apartamento muitos riachenses?

Houve alguns que levavam essa morada para um primeiro apoio. Um dos primeiros a ir para Paris depois de eu lá estar foi o meu padrinho Joaquim Gaspar, mas esse ainda foi para casa dos padres em Clichy. Mais tarde estiveram no apartamento de Colombes o Zé Luís Direito, o Justino, o João Craveiro Lopes, o Julião Perna-Atrás, o Charlot, o Zé Mágoa, o Américo Inverno. 
Olha, o Zé Mágoa e o Américo Inverno têm uma história de chegada curiosa. Chegaram juntos à Gare de Austerlitz, só tinham, escrita num papel, a morada do Zé Manha e foram forçados a alugar um táxi para irem ter com ele. Quando lá chegaram não tinham dinheiro para pagar o táxi e valeu-lhes o próprio Zé Manha que lhes pagou a viagem, se não iriam presos no próprio dia de chegada. Depois encaminhou-os para o Luís Totiço, em Trappes, mas durante alguns dias não conseguiram emprego. Acabaram por vir ter à casa de Colombes e, depois de algumas tentativas, lá se conseguiu emprego para o Zé Mágoa, o Américo Inverno e também para o Julião Perna-Atrás que entretanto tinha chegado. 
Mas os riachenses sempre se juntaram em convívios regulares. Na casa dos padres operários, em Clichy, sempre tiveram a porta aberta para os encontros e petiscos. Pelo São Martinho havia sempre um convívio com todos os riachenses e amigos para assarem as castanhas e o bacalhau. O Zé Manha é que era o especialista a assar bacalhau!  
E houve o Movimento dos Trabalhadores Riachenses em França que promoveu diversas actividades.
 
Em França, Joaquim Alberto fez um percurso entre 1966 e 1973, interrompido por um ano de regresso a Portugal e finalizado com uma prisão por razões políticas, em 1973, em Espanha, ao cruzar a fronteira. O que foi mais marcante nestes anos de permanência em França?
 
Quando cheguei a Paris comecei a ver que havia tanta necessidade com os portugueses que chegavam diariamente. Vi que havia uma estrutura que era a missão portuguesa, com padres de lá e pensei “se eu, que não sou ninguém, tenho esta afluência de portugueses o que será desta missão... Devem precisar de quem os ajude”. Fui a essa missão com um amigo de Valhelhas, o João Correia, e atendeu-nos um padre que abriu a porta, olhou para a gente e disse “agora não há trabalho para ninguém”. Olhámos um para o outro, virámos as costas e viemos embora desiludidos porque não procurávamos trabalho e sentimos que naquela missão portuguesa ninguém apoiaria os nossos emigrantes. Este desprezo pela condição humana dos emigrantes portugueses foi o que mais me marcou pela negativa. 
Pela positiva, foi a capacidade que os portugueses tiveram de se integrarem numa metrópole daquelas. Analfabetos na sua maioria, muitos deles só tinham trabalhado no campo, sem saberem ler uma letra do tamanho de um comboio, sem saberem falar francês, mostraram uma capacidade espantosa de trabalho, de adaptação, pode mesmo dizer-se de coragem. 
Este é de longe o aspecto mais marcante pela positiva e ainda mais significativo no caso das mulheres, que trabalhavam 3 horas numa patroa, 4 horas noutra e tinham que fazer viagens de metro com mudanças. É perfeitamente notável como conseguiram aprender.
 
Podíamos continuar por várias horas, por vários dias, que as histórias são muitas e o Joaquim Alberto transporta-nos nas palavras fáceis para uma outra realidade.
Mas desliga-se o gravador, fecha-se o caderno, um último copo de água, um outro abraço, um desabafo final “ainda estou em França porque nunca consegui ganhar em Portugal o suficiente para viver como pobre mas com dignidade!”

(José Tomé, depoimento recolhido em Agosto de 2014)

Actualizado em ( Sexta, 24 Outubro 2014 16:36 )  
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