o riachense

Sbado,
04 de Maio de 2024
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Justino Marques: “à procura das oportunidades que não tinha no meu país”

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Colombes, nos arredores de Paris, em 1969. Da esquerda para a direita: José Luís Direito, Américo Inverno, Justino Marques e José Mágoa«O mais marcante foi criar os meus filhos lá, num sítio que eles não conheciam e eu conhecia mal. E depois foi vir-me embora e eles ficarem lá»
 
Nos primeiros dias de 1969 trabalhava por turnos na Fábrica de Fiação e Tecidos, em Torres Novas, como operário fabril, onde ganhava 900 escudos por mês. Com 25 anos de idade, Justino Baptista Marques tinha conseguido juntar 5 contos de reis, que era quase meio ano de salário, e que era o valor a dar ao passador que o transportaria para França.
Casado há pouco tempo e com dois filhos de 1 e 2 anos, tinha tomado a decisão de deixar Portugal, onde o futuro não se mostrava muito risonho.
Juntou-se a outros 2 riachenses e, no dia 1 de Fevereiro de 1969, à noite, apanharam o comboio que os levou a Vilar Formoso.
Já passaram mais de 45 anos sobre esse dia e Justino Marques desfia as memórias deste tempo inicial de aventuras, de medos, de esperanças, de travessia das fronteiras sem passaporte.
 
Fui para ter uma vida melhor e para procurar as oportunidades que não tinha no meu país.
 
Viagem e chegada
E contam-se as histórias da viagem e da chegada.
 
Fui com o Luís Gil e com o genro dele, o Chico dos Gelados, no comboio até Vilar Formoso. Como não tínhamos passaporte, entregámo-nos ao cuidado do passador que nos guiou na travessia a pé para Espanha, em Fuentes de Onor.
Aí tínhamos que esperar por um outro comboio e, enquanto estávamos no bar vimos um tipo que tinha um carro que não pegava e nós lá fomos dar uma ajuda e empurrar o carro. Só no fim é que uns portugueses que ali estavam nos disseram “vocês estiveram a empurrar o carro dum gajo da PIDE!” Apanhámos um grande susto porque não tínhamos documentos e podíamos ter sido apanhados.
Depois voltámos para o bar para fazer horas, bebemos um cafezinho, uma tequila e esperámos pelo comboio para Irun e Hendaia.
 
Justino Marques prossegue o relato deste percurso, já em Espanha, que acabou por ser tranquilo e sem problemas com a polícia.
 
No comboio iam já muitos emigrantes portugueses que trabalhavam em França há alguns anos e estavam legalizados. Eram principalmente de Fátima, de Ourém, de Pombal. Perceberam logo que íamos a salto e, por isso, ajudaram-nos e até nos deram comida, que bem precisados estávamos. A última dificuldade era a travessia da fronteira para França, em Hendaia. O passador deu a ajuda final, cada um de nós pagou-lhe os 5 contos e seguimos de comboio para Paris.
Já era quase noite quando chegámos à Gare de Austerlitz e foi aí que me separei dos restantes colegas porque íamos para sítios diferentes. Eu não sabia uma palavra de francês, mas levava um papel com a direcção do Manuel Ferreira e da Teresa. Entreguei esse papel ao taxista que me levou ao destino. Quando cheguei estava lá um padre que tinha jantado com ele, porque era o aniversário do Ferreira, e nessa primeira noite fui logo dormir à casa dos padres operários em Clichy.
 
Trabalho e habitação
Quando chegou a Paris já tinha alguma indicação de trabalho ou empresa para onde ir?
 
Não! Não tinha nenhum trabalho à minha espera, tive de procurar. Na segunda noite já fui dormir a casa do Joaquim Alberto, em Colombes, e ele dava apoio aos emigrantes que o procuravam e ajudava a encontrar trabalho. Depois de várias tentativas, o meu primeiro trabalho foi como serralheiro e soldador na casa Jean Boulhon, onde fui ganhar 3,94 francos por hora, o que dava cerca de 900 francos por mês. Era seis vezes mais do que ganhava em Portugal…
Este trabalho durou seis meses, depois fui trabalhar para a Bodycote que fazia têmpera de peças para carros da Renault, da Peugeot, da Ford. Eu soldei milhares de eixos para a Ford.
 
E não teve dificuldade na adaptação à Língua Francesa?
 
Eu fui para França só com a 4ª classe, não sabia nada de francês. Ao princípio foi muito complicado e comecei a aprender os nomes dos materiais, das ferramentas, dos aparelhos. Tinha um livro de tradução francês/português para esclarecer algumas dúvidas e fui obrigado a aprender. 
Também tive uma grande ajuda dos meus companheiros de trabalho franceses. Foi com eles que aprendi muito, na língua e na profissão, porque, se trabalhasse só com portugueses, não aprendia mais do que já sabia.
 
Então, no local de trabalho, havia muitos franceses?
 
Eram quase todos franceses, só os que trabalhavam nos fornos é que eram marroquinos e argelinos. Durante muitos anos eu fui o único português naquela empresa (Bodycote). Só mais tarde entrou um outro português.
Olha, uma vez até explodi com o meu chefe de atelier, que era francês, numa situação em que eu tinha razão e, nessa ocasião, ele disse-me “nunca mais cá ponho nenhum português!”. O que é verdade é que acabei por ficar 36 anos, portanto não era tão mau como isso.
 
Justino Marques recorda as condições precárias dos primeiros alojamentos. A primeira noite, em 2 de Fevereiro de 1969, passada na casa dos padres operários em Clichy, depois um mês de permanência no apartamento de Colombes, onde estava o Joaquim Alberto, “um tempo rico de experiências, de contacto com muitos emigrantes riachenses e de outras terras de Portugal, de contacto com muitos jovens que tinham fugido por causa da guerra colonial”.
Algum tempo depois de conseguir emprego mudou-se “para casa de um rapaz amigo” para ficar mais próximo do local de trabalho. Depois viveu num hotel, num quarto com serviço de cozinha, “nunca me esqueci que era o Hotel 127, em Clichy”.
Em Abril de 1970 a mulher, Maria Emília Simões, acompanhada pelos filhos, vai também para Paris, primeiro para o hotel com o marido e, quando consegue um lugar de porteira no número 1 da Rua de Paris, em Clichy, mudam-se para esse pequeno apartamento. Uns anos depois, Justino Marques alugou um apartamento nesse mesmo prédio para dar melhores condições de vida aos filhos.
 
Sabes que havia quem vivesse muito mal. Eu cheguei a ir àquele bairro de lata, a que chamam bidonville, onde viviam centenas de portugueses e que era em Saint-Ouen. 
Fui lá duas ou três vezes, mas até me arrepiava. Era um chão de terra, cheio de lama, barracas sem condições. Era impressionante.
Havia um outro bidonville em Champigny, mas os riachenses que estavam em Paris nunca viveram nessas condições tão miseráveis.

Trabalho comunitário
A intervenção cívica e o trabalho gratuito ao serviço da comunidade podem manter-se, mesmo quando se vive num país estrangeiro, e Justino Marques foi uma das pessoas que se empenhou nesse trabalho comunitário.
 
Em 1984 um casal do Outeiro Grande foi a minha casa convidar-me para eu fazer parte da Comunidade Católica de Clichy, que já tinha nome mas não estava organizada.
Eu disse que sim, mas tínhamos que falar com o bispo de Nanterre. Acabaram por se juntar 8 pessoas que, juntamente com o padre de Clichy, foram falar com o bispo que aceitou o projecto. 
No dia 17 de Março de 1984 foi celebrada a primeira missa em língua portuguesa pelo padre brasileiro Frei Hilson. Depois a comunidade começou a crescer e chegámos a ter 140 crianças na catequese e 16 jovens num grupo de reflexão. Quando havia comunhões solenes estava presente o bispo de Nanterre ou mesmo bispos portugueses.
Estás a ver? Isto é o livro que a rapaziada escreveu quando eu me vim embora e está aqui a carta do bispo.
 
Sim, estou a ver. Justino Marques mostra o livro e a carta, assinada pelo bispo de Nanterre em 2004, a agradecer o seu trabalho na presidência da comunidade católica portuguesa ao longo de 18 anos, referindo que “usou o seu tempo e atenção para que esta comunidade fosse viva e activa, em boa harmonia com a paróquia de Clichy”. Um documento precioso que mostra o empenho no trabalho comunitário e, mais importante ainda, o reconhecimento dos superiores por esse trabalho.
E, quando começou a trabalhar em França, alguma vez pensou ficar ali para sempre?

Sempre pensei voltar a Riachos, mas só depois da reforma. Enquanto estive a trabalhar nunca quis desistir.
 
Justino Marques fala pausadamente, com tranquilidade, seguro, mas, para terminar, preciso de saber se, hoje, consegue olhar para trás, recordar estes 40 anos de trabalho como emigrante, dizer o que foi mais marcante e dizer se valeu a pena.
Uma pausa. Num minuto revê-se todo o passado. A viagem, o trabalho, a incerteza, a língua estranha, os filhos, os amigos, os momentos bons, as dificuldades, os convívios.
 
O mais marcante foi organizar a vida, criar os meus filhos lá, num sítio que eles não conheciam e eu conhecia mal. E depois foi vir-me embora e eles ficarem lá. É por isso que eu vou lá muitas vezes, para estar com eles e com os netos.
E, olha, não estou nada arrependido de ter ido. Tenho a certeza que melhorei a vida e valeu a pena, não valeu Mila?

A acompanhar a conversa, Maria Emília concorda, “valeu a pena, sim senhor, apesar de todas as dificuldades”.
Das muitas passagens que aqui não se contam, Justino Marques ainda diz “não podes pôr aí a história da minha vida toda, senão tinhas que escrever um jornal muito grande”.

(José Tomé, depoimento recolhido em Agosto de 2014 e completado em Novembro de 2014)
 
Actualizado em ( Quarta, 26 Novembro 2014 11:35 )  
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