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António Mário Lopes dos Santos

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Portugal: um purgatório sem estrada para o céu

Não há conversa que não canse. Desde sexta-feira não há canal televisivo que não passe, repasse, contrapasse, a retenção de José Sócrates no aeroporto, as horas intermináveis à porta do Campus da Justiça à espera duma palavrinha, uma fotografia. É difícil ser jornalista numa época desta, em que tudo, até o tempo, está armadilhado. Para Sócrates chegou um veredicto, após horas de interrogatório: a prisão preventiva, por suspeita dos seguintes crimes: fraude fiscal qualificada, corrupção, branqueamento de capitais. Não há televisão que não encene esta notícia. Não há canal informativo do cabo que não tenha dois, três, quatro comentadores políticos, a situar-se a favor ou contra a detenção no aeroporto, a pena preventiva, a quebra do segredo de justiça. Não há imprensa, rádio, televisão que não queira saber o que pensam os responsáveis dos partidos sobre o que aconteceu ao cidadão ex-primeiro ministro e ex-secretário do Partido Socialista, José Sócrates. A prudência domina, com o desgosto, os militantes do PS. A prudência, não vá haver o reverso da medalha, domina as declarações dos militantes doutros partidos. Nem todos os políticos são iguais, sintetizará, mais tarde, Passos Coelho, depois de muito questionado. Ferro Rodrigues, porta-voz da bancada do PS, na discussão do Orçamento, repete a frase de Paulo Portas. O pingue-pongue partidário não pára, a transparência há muito foi às malvas. Por sua vez, o presidente Cavaco Silva, de viagem para os xeques, aos costumes disse nada. No exterior, lá reflectiu que não havia tumulto com tal prisão, nem o país se encontrava prejudicado ou diminuído na Europa, mais do que já estava. 

Só que o Dr. Mário Soares, após um artigo no Diário de Notícias, em que declara a inocência de José Sócrates, faz uma visita publicitada à cadeia de Évora, onde aquele se encontra retido, e enfatiza a inocência do detido. Já o fizera, no dia anterior, mais uma vez ante as televisões, o socialista responsável pelo distrito de Évora, Dr. Capoulas. A teoria da conspiração recomeça a sua instalação e o processo a ficar politicamente inquinado. Toda a gente tem o direito de acreditar ou não na inocência de José Sócrates, até prova em contrário. O direito de opinião é constitucional. Mas não me digam que as declarações públicas do Dr. Mário Soares ou do Dr Capoulas não são uma forma de intervenção no processo, de manipulação da opinião pública. O Dr. Mário Soares não é o cidadão José, nem a cidadã Maria, por isso estes estão à margem do processo político que é, indiscutivelmente, o de José Sócrates. Não são ouvidos por nenhuma televisão. O Dr. Mário Soares, que eu saiba, não é um inocente político. 

Há muito que penso que a partidocracia reinante tem conduzido à destruição da transparência da vida política, que pouco tem a ver com o que se pensa como democracia. A cidadania, subjugada pelo caciquismo partidário, perdeu qualquer possibilidade de intervenção política. Daí a sua indiferença, o seu cepticismo, a sua acusação de que todos os políticos são corruptos. 

Decerto que este radicalismo assenta numa psicose depressiva proveniente de 50 anos de fascismo, com polícia política, censura, prisões, tribunais plenários, medo, subserviência. Mas após o sonho da libertação de Abril, após a utopia dos três Dês da revolução, os partidos do dito arco da governação criaram, a partir do 25 de Novembro, com a ajuda do capitalismo financeiro europeu e americano, um país, em que uma elite política por aquele dominada, controlava (e continua) sob as suas ordens os caminhos que o país devia (deve) seguir. 

A entrada no Comunidade Europeia, com a paridade do Euro, não poderia senão conduzir à desigualdade com que, hoje, os países europeus se confrontam, ante a bota pesada do pangermanismo mercantilista.

Os euros entraram com abundância e o país foi levado a acreditar que lhe seria possível ter uma vida, um salário, um futuro, como o dos países desenvolvidos da Europa. E os Euros, décadas a fio, entravam pelos bancos e desapareciam num consumo incitado governamental e partidariamente, que revertia pelos caminhos por onde entrava e sem nenhum a fiscalização sobre como e quem os manipulava. Foi um fartar vilanagem, das câmaras aos governos, sem nenhum rebuço, nem dúvida, nem inquérito. E quando a inquietação substituiu a ilusão, quando o desemprego aumentou, o comércio, a indústria, a agricultura, a pesca, minguaram, substituídas pela banca, os serviços, o dedo europeu do patrocinador veio encostar-se ao peito do cidadão, acusando-o de viver acima das possibilidades. 

O resto da história é conhecido - um país pobre, envelhecido, empobrecido, à beira dum ataque de nervos, a ver em cada dia que passa o vir ao de cima os roubos, os desfalques, as falências de bancos, os processos inúmeros que, por sua vez, optam pelo morosidade, até à prescrição e os acusados do colarinho branco continuavam (e continuam) impunes nas suas gaiolas douradas, a custa da exploração e da miséria. 

E chegaram agora os novos cidadãos com os vistos gold, os novos salvadores da pátria, a comprar o luxo que não tinha interessados locais, em nome da pátria dos Espíritos Santos, das sociedades de advogados que fornecem deputados, secretários de estado e ministros, fazem as leis que o povo tem de cumprir, que utilizam os dinheiros públicos em proveito próprio e colocam-no em paraísos fiscais, em nome da confusão que o liberalismo capitalista lhes tem permitido, como elites seleccionadas pelos mesmos que mexem os cordelinhos dos poderes que constituem o poder. 

A democracia perdeu-se nas sombrias horas dum regresso ao filme habitual deste país: um purgatório sem caminho para o céu.

O processo de José Sócrates faz parte deste cenário. A sua inocência ou culpabilidade pertence à justiça. Mas é necessário que esta mereça a confiança, não dos políticos partidocráticos, mas dum povo farto de ver caducar, ilibar, prescrever, os crimes de colarinho branco. José Sócrates não é um cidadão qualquer. Governou este país, teve e tem muito poder. É necessário, uma vez pode ser a primeira, que um processo se cumpra de forma transparente e as suas conclusões não deixem dúvidas a ninguém. Pelo que a missa política já anuncia, a ver vamos.


27 de Novembro de 2014
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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt

Actualizado em ( Quinta, 27 Novembro 2014 15:06 )  
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