O talho foi inaugurado no domingo do cortejo da Festa da Bênção do Gado de 1953. João da Vaca fez questão que assim fosse, até porque era adequado: o cortejo é ao domingo e, naquele tempo, só havia carne ao fim-de-semana. Houve uma altura em que tiveram um segundo talho em Riachos, na rua Entre Poços, precisamente para vender às pessoas naquela zona. Porque era à saída da missa que se comprava carne, e havia as pessoas que iam para a direita e as que iam para a esquerda. Para lá ia a sua mãe, Júlia Pereira, evidentemente a Senhora Júlia da Vaca.
Menos de uma dezena de anos depois da inauguração, passou a taberna para a parte de trás do pátio, e a porta da taberna passou a ser a porta de uma mercearia, que ainda hoje ostenta os seus móveis de mercearia que hoje dizemos serem tradicionais ou que em Lisboa chamam “de bairro”.
No actual restaurante vê-se a construção em cimento das pipas, onde são dispostos os copos. Numa arrecadação com porta para o pátio está a “estufa” dos enchidos onde eram fumados os chouriços, as farinheiras e as morcelas.
Sobre a taberna, antes “não havia tanto petisco como agora”, diz o Xico. As tabernas serviam para vender vinho aos homens que iam ou vinham para o campo: “lembro-me de uma vez ter vendido 11 copos de meio litro a um homem que vinha da azeitona”. Cada um trazia o seu “petisquito” dentro de uma bolsa para beberem “dois copos de meio litro e mais uma ametade”. Mas a taberna do seu pai tinha a vantagem do talho. Às vezes lá aparecia, para acompanhar o vinho, o sangue de carneiro com sal, cozido como na fressura. Ou o caldo das morcelas, que se comia com uma pinga de vinagre.
Quando falamos em talhos em Riachos, Xico avisa: era para vender porco e carneiro. Foi só quando abriu os talhos em Torres Novas é que o pai começou a trazer “um bocadito de carne de vaca” para vender aos domingos. “As pessoas o que compravam era uma farinheirita, um bocado de toucinho e um bocado de carne de carneiro… os que tinham mais posses! Na casa de muita gente não entrava um grama de carne”, lembra.
O matadouro em Riachos era onde mais tarde foi aberto o café Quintal, e depois passou para a curva do Casal de Vale, quase ao rio. Na década de 70 passou a haver matadouro só em Torres Novas. Mas antes, o comércio de animais passou a ser a parte mais importante do trabalho do João da Vaca. Foi para essa mesma função que o café foi feito. “O meu pai já matava muito gado e começou a levar as pessoas [vendedores de gado] ao café para negociar ali.”. Fez o café para ter um sítio mais sossegado, e também “porque começou-se a usar ter um café”. Nessa altura já matava quatro ou cinco bezerros por semana e 20 ou 30 carneiros.
A família tinha um nível de vida um bocado acima da média. Os três filhos foram todos estudar. O “menino Xico”, o mais velho, foi para o colégio Andrade Corvo, porque só havia liceu em Santarém, e também era para quem tinha algumas posses. “Eu já fui estimadinho… não era gente rica, mas vivíamos um bocadinho melhor”, diz.
Estando os filhos já noutra vidas, teve de vir o Manuel Pacheco, do Pedrógão, para trabalhar com os bois. Foi ficando ali por casa. Depois foi ‘promovido’ para o talho e chegou a trabalhar num dos talhos de Torres Novas. Depois de se ir embora veio o Zé do Talho, outro rapazito para ajudar.
A taberna do João da Vaca fechou definitivamente nos inícios dos anos 70, e o alvará foi vendido para a Brogueira. O Pacheco abriu o seu café na casa do António Antunes, “para começar a vida dele. Fechou-se aqui para ele ir para lá”, lembra o Xico. O velho balcão de tampo de pedra preta do Café Pacheco, que já desapareceu, era do balcão da taberna do João da Vaca.
O seu pai manteve o “Talho Económico” em funcionamento até ter mais de 80 anos, tendo fechado já nos anos 90. A mercearia esteve a ser gerida pela Noémia Oliveira entre 1979 e 1987. A Noémia vendeu lá os primeiros gelados de bola de Riachos - cuja máquina foi depois para o Franco – e o advento dos supermercados e das exigências legais sem fim acabaram-lhe com o negócio.
Algum tempo depois de ter deixado o banco onde trabalhou, no princípio dos anos 80, Xico da Vaca tirou licença de casa de pasto e reformulou o espaço da taberna, acrescentando aquele corredor à esquerda quando se entra. A parte do café tornou-se “a casa do meu pai, era onde ele estava mais o Manel Castelo e mais o Xico Girassol e outros amigos dele”.
O restaurante na origem era mais “apetiscado”, diz. Orelha, rim e outros petiscos feitos pela Beatriz. Só às vezes é que se fazia o cozido, borrego e cabrito assado no forno, arroz de tamboril entre outros, mas a casa formou-se rapidamente, com clientes que duram até hoje.
O Pedro ‘Vaquita’ era júnior do Atlético quando o pai abriu o restaurante e não trabalhou em mais lado nenhum. Substituiu a sua mãe à frente da cozinha há três anos e hoje é o patrão da casa. Os valores seguros da sua oferta são bem conhecidos pelos seus clientes de toda a região: o sabor da comida caseira, as carnes frescas grelhadas, o cozido, o bacalhau à minhota, os rins, as batatas fritas ou o pudim. Na cozinha ainda tem por vezes a ajuda da Maria Emília ‘Tamanqueira’. Mas além da comida e do espaço é a simpatia e a relação com os clientes que caracteriza o ‘Xico da Vaca’, outro valor seguro que quem lá vai conhece bem. Há muita familiaridade e é ver os clientes a andar à vontade dentro do restaurante e do café, como se fosse a sua casa.
Pedro tem um objectivo simples para o futuro do estabelecimento: “não mudar muito”. Mas mesmo sem mudar muito, congemina uma ideia para dar utilização ao edifício da frente, onde estava o talho, a mercearia e a casa do avô: abrir uma residencial.