Este Verão, de aquecimento para a campanha eleitoral que marcará aquilo a que se convencionou chamar a reentrada nos quotidianos normais, após uns dias de férias ou de pausa nas rotinas do resto do ano, esboçamos uns sorrisos tristes com os anedóticos cartazes de propaganda do PS e da coligação do governo.
Uns, que parecem nem saber muito bem de que é que andam a falar, inventaram uns personagens para interpretar umas histórias tristes, infelizmente verdadeiras. Outros, que sabem muito bem do que não lhes convém falar, foram lá fora contratar uns bonecos a uma agência de modelos para melhor atirar para o ar uns pós cor-de-rosa e uns fumos de ilusão de feira, pouco ralados já em saber se a coisa pega ou não.
Uns e outros, que de há décadas para cá se apropriaram do País e do estado repartindo entre si o saque dessa conquista, noutros tempos mais esperançosos apenas teriam dado origem a umas piadas com pouca graça mas sem grande mossa, que a gente tinha mais que fazer e tudo isto passaria rapidamente.
Agora, no entanto, aqueles cartazes produzidos pelas mesmas agências de comunicação e com as mesmas técnicas com que se vendem sabonetes ou automóveis, são bem mais que mera incompetência ou pouco siso. São símbolos bem claros do vazio de ideias e de projectos de sociedade com que aqueles partidos se apresentam ao eleitorado, mas também símbolos de como isso já pouco (lhes) importa, porque a política agora é outra coisa e nessa “política” do ruído e dos negócios eles são mestres, e isso lhes basta.
Já há muitos anos, apanhando muitos de nós distraídos ou pouco convencidos, estes tempos baços e indefinidos tinham sido anunciados por quem trabalhava activamente para que eles chegassem. Margaret Thatcher, primeira-ministra britânica, dizia alto e bom som: não existe essa coisa da “sociedade”.
O desenho do futuro-agora-presente estava feito, mesmo que não tivesse sido imediato. O que passaria a haver, como agora bem sabemos, seriam tempos de circunstâncias e interesses
E nesses tempos, que são os que vivemos, as circunstâncias e os interesses privilegiam quem melhor está preparado para eles, se for preciso, nem que seja à custa de todos os outros.
Será este simulacro de realidade – e da apresentação do seu simulacro maior, a da “inevitabilidade dessa realidade” – que definirá a encenação da política que nos espera nessa tal reentrada no mundo-de-todos-os- -dias, um recomeço da continuidade que nos levará ao ritual esvaziado marcado para 4 de Outubro.
Mas havendo também nesse dia eleições para Riachos, por muito limitada que seja a possibilidade de acção institucional que delas resultar, há também oportunidade – ainda! – de apresentar ideias, de sonhar com outros modos de viver a terra, de convocar discussões e hipóteses, tentando com elas entreabrir uma porta para outros futuros. É isso que vamos procurar trazer nas nossas páginas neste e no próximo número, sem procurar sobreposições nem abafar os programas partidários nem tentar marcar a agenda eleitoral, continuando a crer que as organizações políticas ainda são da maior importância na mediação da intervenção na vida colectiva.
Mas com a esperança que as vozes que formos apresentando se lhes possam somar e sejam sementes para muitas outras e que as ideias floresçam e dêem frutos.