o riachense

Terça,
19 de Março de 2024
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António Mário Lopes dos Santos

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As duras palavras dos sonhos truncados

Primeiro, Paris. Recordo Hemingway. É uma festa, escreveu. Dolorosamente, a civilização ocidental democrática surgiu nessa cidade, disseminou-se pelo mundo. A capital da cultura, subjugada pela barbárie germânica, não cedeu. Le maquis (a resistência) defendeu a sua dignidade de forma clandestina. A França nunca se rendeu, embora fosse governada por fantoches ao serviço do povo nazi. Milhares morreram na resistência, nos campos de concentração. Nunca a poesia se rendeu. Aragon, Eluard, Rene Char, Frénaud. Poderia acrescentar muitos outros, que Pierre Seghers antologiou em Le Livre d’Or de la Poésie française. 

Procuro saber dos meus familiares e dos de minha mulher, moradores nessa cidade. A minha prima está bem, o meu cunhado e família idem. 

Manifesto a minha total solidariedade com as vítimas, repudio a barbárie do radicalismo fanatizado dos jihadismo, alinho no combate contra qualquer tipo de terror como forma de rebelião ou de vingança. 

Há quem se satisfaça, explicando a tragédia com o choque de civilizações. Não me convence esse tipo de raciocínio, que coloca todo o Islão do lado oposto da barreira, segregando-o, colocando a marca do mal em tudo o que seja outra forma de vida e de pensar. 

A diferença não está na cor da pele, na religião, nos costumes, na tradição. 

A Europa chegou à democracia após muitas derivas de repressão e de terror lançando, nas suas pátrias, cidadãos contra cidadãos. A inquisição é um exemplo a nunca esquecer, como as cruzadas dos albigenses, a guerra dos trinta anos, católicos e protestantes trucidando-se em nome da mensagem cristã; ou os campos de concentração nazis, onde europeus queimavam vivos europeus, transformando-os em sabão, curtindo-lhes a pele para fabricação de candeeiros, roubando-lhes os dentes de ouro, que serviram para comprar volfrâmio ao Portugal cristão salazarista. 

A Europa, ante a avalanche dos assalariados provenientes da Síria e de outros locais onde a sobrevivência individual se transformou num acaso sombrio, cerca-se e tenta fechar-se, para que não se disseminem, entre aqueles, os que, em nome de Allah, se transformaram em bombas vivas que matam, destroem, assassinam. Como, aliás, o fizeram, entre eles, na Síria, no Iraque, em todo o Médio Oriente. O mundo civilizado, ante o morticínio de Paris, começa a traçar um rumo de segurança, que coloca em risco os direitos básicos, a liberdade, o direito à diferença. Bombardear cidades, desde Guernica, na guerra civil espanhola, pela aviação hitleriana, não destrói os objectivos militares, sobretudo massacra inocentes. O que está em jogo no tabuleiro planetário é o que se não diz - os negócios do petróleo, os negócios das armas, o tráfico da droga, o controlo das matérias-primas tão essenciais à civilização ocidental. O fanatismo religioso esconde o verdadeiro pretexto - o monopólio das economias, por meia dúzia de países, que escrevem e ditam as regras do jogo, exacerbando o fanatismo religioso, como escape.

Vem-me sempre à mente uma fotografia tirada na base das Lajes, nos Açores, com quatro protagonistas históricos que, a meu ver, conduziram ao extremismo do ódio ao ocidental, em nome do único deus que reverenciam: o dinheiro. Refiro Bush, Blair, Aznar, Barroso, que, em nome dum Iraque cheio de armas químicas (que não existiam e eles sabiam-no), ocuparam-no com tropas americanas, ao serviço dos interesses das companhias petrolíferas multinacionais e das empresas de armamento, que controlam o bloco militar no Pentágono. Que Tribunal de Nuremberga julgou estes indivíduos pelos crimes a que deram origem?

Uma Europa dividida, fechada nas suas fronteiras, com extremas-direitas difundindo o racismo, será a resposta que a civilização tem para com a barbárie? 

Há um retrocesso civilizacional, na própria Europa, em que o capitalismo monopolista financeiro procura destruir os direitos, conquistados à custa dos mais duros sacrifícios, mesmo da vida, desde a revolução francesa. O ódio gera o ódio, a exploração gera a revolta, a civilização gera a barbárie, a corrupção gera a desigualdade. 

Só as democracias livremente assumidas podem derrubar os perigos do fanatismo. Mas sem ignorar a hipocrisia dos sistemas que, em nome da defesa das liberdades, as cercam de armadilhas e insegurança, em defesa dos interesses de elites cada vez mais poderosas e inacessíveis, assentes no controlo global das sociedades humanas.

Viva a França! Viva a democracia!

19 de Novembro de 2015
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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt

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Actualizado em ( Quinta, 19 Novembro 2015 11:24 )  
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