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António Mário Lopes dos Santos

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O Boi da Paciência

Estamos em mês eleitoral. Nos ecrãs televisivos sucedem-se, como nunca aconteceu na nossa democracia, debates entre os diversos candidatos ao cargo de Presidente da República. Segundo as sondagens, Marcelo Rebelo de Sousa ganha à primeira volta. Se este povo fosse a sério e não um passe de mágica dum Merlin de feira cabisbaixa, as sondagens iam pelo cano de esgoto da manipulação da mentalidade do Zé Povinho. Como o mostrava Bordalo Pinheiro, sabia desconfiar, na generalidade, dos políticos, fazia-lhes um manguito, porque revirando os bolsos das calças só encontravam cotão e nada de metal monetário.

Foi sempre o seu grande mal. Ficar-se pela anedota, o dedo apontado, a acusação de corruptos na ponta da língua. E, depois, nos dias de hoje, ir tranquilamente para a fila da bilheteira do seu clube favorito, ou assistir a uma das quatro telenovelas dos quatros canais generalistas, ou ver os episódios da Quinta ou do concurso do Gordo, tudo transmitido em simultâneo para que a tranquilidade pública se mantenha, podre, desigual, inalterável.

Nem todos os políticos são iguais. Nem os partidos. A diferença entre massa e classe pouco lhe diz. No passado, como no presente, o protesto nunca lhe passou do manguito. Saber os porquês das diferenças entre chegar a governante ou ser governado, nunca seriamente o incomodou.

O 25 de Abril foi-lhe um dia de festa, a liberdade e a democracia uma conquista, é certo, para a qual não mexeu uma palha. Viu os filhos embarcarem para África em defesa dos interesses de meia dúzia, chamando pátria ao que era o café, sisal, algodão, açúcar, madeiras, os diamantes, o BNU, o branco, o negro e o mestiço, os colonizadores e os colonizados.

Os mesmos não chegavam aos liceus, nem às universidades. Com a bênção divina lá faziam o ensino industrial ou comercial, transformavam-se em eficientes empregados bancários, empregados de escritório, casavam, transformavam-se técnicos especialistas nas indústrias nascentes, faziam filhos, iam ao cinema ver os filmes cortados pela censura, liam, se liam, a Bola ou O Record. Política nem vê-la. Quanto muito, fazia parte duma associação, quase sempre a do futebol da sua terra; na capital, um dos dois grandes. Não ligava aos discursos de Salazar, nem às conversas em família de Marcelo Caetano, mas também desconhecia as bibliotecas, os museus, o teatro, os livros. A educação dos filhos passava-lhe ao lado, entregues, como deveria ser, aos professores, em quem delegava as suas responsabilidades. 

O reviralho, os republicanos, as oposições, não passavam de cenas dum espectáculo a que era alheio, personagens estranhos ao seu quotidiano cinzento, cumpridor, regulamentado na obediência aos poderes, civis, judiciais, religiosos e militares. Houve uma excepção: as eleições presidenciais de Humberto Delgado. Portugal era um país velho, diferente dos que via no cinema ou nas séries televisivas estrangeiras. Mas as ideias de mudança ficaram-se pelo abstracto das emoções, rapidamente abandonadas dias depois, quando Delgado oficialmente foi derrotado por Américo Tomás. Depois, a guerra em Angola, Guiné, Moçambique, os filhos enviados como carne para canhão para os locais do combate, sem inquirir onde se encontravam os filhos dos mandantes: isentos, ou, se mobilizados, em Macau, Timor, Cabo Verde, nas repartições militares, ou na retaguarda onde a guerra era apenas um rumor distante.

A emigração, pela falta de trabalho, pelo desemprego, as lutas estudantis, como a guerra e as mortes de conhecidos, alertou-o para uma situação de mal-estar colectivo, mas a que se resignavam, porque a vida era dura e era necessário cumprir em cada dia a responsabilidade duma família.

Numa sociedade de estrutura desigual, Camões era o nome do poeta de todos conhecido, com o seu livro, Os Lusíadas, mas de que sabia tanto, como do que se passava nas prisões de Caxias, do Aljube, de Peniche. Era algo que se ficava por um mundo alternativo, a que não tinha acesso, nem lhe despertava  curiosidade.

Décadas depois da implantação da democracia, cidadãos com a moeda da Europa, em grau desigual no bolso, a sua descendência, como ele, se ainda vivo, irá votar, sem saber o que é a Constituição, num candidato prévio a que se habituou na televisão, sem, no geral - as minorias conhecem as diferenças, mas não mudam nada - mesmo com a aviso da desigualdade real da vida em relação às minorias que o usaram, como hoje aos seus descendentes. 

Chamou-lhe o poeta António Ramos Rosa O Boi da Paciência. Mas poetas, na sua paciência, são patetas. Gente de pouco senso e pouco uso. Marcelo irá ser o grande presidente e o país vai ficar melhor. As sondagens o mostram. Já está eleito, antes do voto.

Sempre mostrou ser um sempre em pé, virando conforme o vento. Como tu, não é Zé Povinho?

Que se pode esperar melhor?

7 de Janeiro de 2016
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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt

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Actualizado em ( Quinta, 07 Janeiro 2016 11:30 )  
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