o riachense

Terça,
19 de Março de 2024
Tamanho do Texto
  • Increase font size
  • Default font size
  • Decrease font size

António Mário Lopes dos Santos

Enviar por E-mail Versão para impressão PDF

Orçamentos, coisas para político ver?

Se há algo que o(a) cidad(ã)o conhece bem é o seu orçamento familiar. Na conta do Deve e do Haver há um mês de despesas e consumos que importa reger com muita paciência, alguma sabedoria, bastante retraimento. É que o haver é pouco para tanto mês, sem contar os imponderáveis duma consulta, dos remédios necessários, duma prenda de aniversário, de algo que a sociedade de consumo transforma em tentação e obriga a noites de insónia e contabilidade apertada a ver onde cortar para concretizar o desejo daquela camisola de lã para o frio, daqueles sapatos a substituir os já gastos, daquela pulseira de imitação que lhe entrou no olhar e seduziu. Tudo o que se tornou essencial para uma qualidade decente de vida, água, gás, electricidade, telemóvel, televisão, aumentou de forma assustadora aquela parte do Deve que mingua em demasia o Haver, que se mantém inalterável (diminuindo, na realidade) anos a fio, quando não foi mesmo arrebanhado para o aumento dos impostos e das taxas municipais.

Já o mesmo se não pode dizer dos orçamentos dos governos, algo que lhe é tão alheio e quase semelhante a uma língua estrangeira, ainda que seja ele a pagar e de forma activa os efeitos aprovados por assembleias de deputados de que não conhece senão o nome dum ou outro, nem o que representa além do partido que o propôs. A política nacional é um nevoeiro de alma, um tipo de antologia poética contemporânea feita para os amigos, gente que se cruza diariamente nos corredores dos gabinetes, almoçam por tuta e meia no melhor restaurante do País, o da Assembleia, digladiam-se nos programas televisivos, mas no fundo são todos bons rapazes e raparigas, com provas de afecto e amizade fora das arenas públicas de pugilato. A verdade é que os orçamentos governamentais transformaram-se em bíblia do ano, ainda que ao cidadão difícil lhe seja passar da apresentação.

Mesmo assim os media digitais e do papel ainda procuram, entre o acessório, colocar ao cidadão algumas questões aparentemente pertinentes, tais como se a dívida governamental é aceite na Comissão Europeia, se o Euro vale depois da vitória de Trump nos EUA o mesmo que valia com Obama, quando o que de verdade lhe interessaria era se lhe diminuíam os impostos e se lhe iriam aumentar a pensão ou o vencimento. Daí que se alimente preferencialmente das telenovelas dos quatro canais generalistas, jornais leia o do café, ou do futebol nacional que é, com excepção das visitas presidenciais, o assunto mais versado em qualquer órgão de informação. Problemas com fartura já tem no seu dia a dia… A vida é curta e, neste País em que a corrupção tem cartão de alforria , o melhor é não fazer ondas… não vá o Diabo tecê-las, como comentava Passos Coelho.

Mas há ainda outros orçamentos que lhe dizem directamente respeito, o da sua Freguesia e o da Câmara Municipal do seu concelho, e deles também nada sabe. Apesar da proximidade, são como um livro dos segredos, só acessíveis a iniciados, uma espécie de código hermético, de que a sua vida depende e está sujeita a profundas imposições, mas que desconhece na prática o que nele se contém. A imprensa e a rádio concelhias, quando lhe tocam, fazem-no com pinças, com medo que o lacrau da contabilidade e da ética lhes morda. Dá-se ao presidente da edilidade ou da junta um tempo de antena que lhe permita vender o melhor dos mundos da sua gestão, as dívidas de curto e médio prazo, a fornecedores, à banca, os juros da dívida, as suas causas, tudo tratado de forma ligeira, coisas de somenos, com que se não devem aborrecer os(as) munícipes, com vidas que já dão trabalho, muito suor e lágrimas. E diga-se, as oposições partidárias que partilham o poder com o partido vencedor, pouco fazem para acabar com esta ignorância premeditada. Há forças que votam contra o orçamento, mas a sua argumentação aproxima-se da linguagem do poder, já que a contra-argumentação parte dum documento e da sua análise, coisa que ao munícipe é vedado. E não seria difícil levar o cidadão à participação na discussão do orçamento. Por meio dum boletim municipal depositado para consulta prévia na biblioteca concelhia, cópias enviadas para consulta nas juntas de freguesia, sem grandes despesas, permitiriam transformar o divórcio actual entre políticos e cidadãos numa forma participativa do cidadão na vida comunitária.

Aproximamo-nos dum ano eleitoral autárquico e é tempo de reflectir se a abstenção continuará a vencer nos concelhos. Pelo caminho que as coisas vão tomando, adivinham-se doses reforçadas de pão e circo da parte do partidos que dirigem os concelhos e muito pouca denúncia das oposições. E os orçamentos, do geral ao local, são coisas para fazer de conta.

Novembro de 2016
Este endereço de e-mail está protegido de spam bots, pelo que necessita do Javascript activado para o visualizar

Os outros artigos de António Mário Santos 

Actualizado em ( Quinta, 24 Novembro 2016 12:41 )  
{highslide type="img" height="200" width="300" event="click" class="" captionText="" positions="top, left" display="show" src="http://www.oriachense.pt/images/capa/capa801.jpg"}Click here {/highslide}

Opinião

 

António Mário Lopes dos Santos

Agarrem-me, senão concorro!

 

João Triguinho Lopes

Uma história de Natal

 

Raquel Carrilho

Trumpalhada Total

 

António Mário Lopes dos Santos

Orçamentos, coisas para político ver?
Faixa publicitária
Faixa publicitária
Faixa publicitária
Faixa publicitária