Trumpalhada Total
Já tudo ou quase tudo foi dito sobre a eleição de Donald Trump como 45º Presidente dos Estados Unidos da América. Não quero aqui lançar mais nenhuma teoria, seja ela partidária, jornalística ou de pura (e assustadora) dormência social. A razão pela qual escrevo estas linhas deve-se somente ao facto de viver nos Estados Unidos contam já 3 anos, e igualmente ao medo pelas gerações futuras.
Enquanto rascunho estas palavras oiço uma estação de rádio, a NPR, uma das poucas que ainda se dá ao luxo de locutar, imparcialmente, tanto republicanos como democratas. Não é bem pelo discurso político que a oiço, mas antes pela boa qualidade musical e também pela distracção de boas entrevistas a políticos, actores, músicos, religiosos e outros tantos da esfera social que me dão a conhecer mais um pouco desta cultura tão vasta e confusa. Numa destas entrevistas, há poucas horas atrás, ouvia uma senhora a questionar alguém sobre o suposto “grande e lindo” muro que Donald Trump tanto promoveu na sua campanha eleitoral. Respondia um senhor, dono de uma construtora multinacional, que para construir o muro que Trump tanto deseja, terá que ser paga uma quantia astronómica de dinheiro, estimada entre os 15 e os 25 bilhões de dólares.
Eu cá, assim numa questão de segundos, lembro-me de um bilhão de outras coisas que se poderiam construir com 1% desse dinheiro. E isto é que me assusta. Ter um Tio Patinhas à frente de uma potência global. O liderar de um país aparece como um desafio económico para este indivíduo, e esquece-se a importância de tornar uma nação unida, constituída por ser-humanos, num exemplo mundial a seguir. Esta nação nunca esteve mais fraca e dividida como agora.
Voltando a espreitar o muro… Esse foi edificado por diversas vezes na História, e ela repete-se. Perturba-me que em pleno século XXI ainda exista um discurso tão pavoroso quanto o de Donald Trump. Esse discurso é triste, pobre, mal articulado. Tudo por uma audiência de reality-show. Por diversas vezes tenho conversas em que me dizem o quão envergonhados estão os americanos. É uma vergonha pelos valores de independência, liberdade e multiculturalidade que os Estados Unidos produzem desde há muito tempo. A terra dos sonhos transforma-se numa triste realidade. É uma vergonha para as gerações vindouras que vão crescer com este exemplo, estudá-lo nas escolas e, infelizmente para alguns, segui-lo como exemplo de liderança.
Os valores que o novo presidente profetiza, sejam eles políticos, morais ou culturais, são estupidamente primitivos e irracionais. O futuro dos Estados Unidos, a meu ver, irá sofrer uma grande regressão e as consequências serão, provavelmente, desastrosas. Aliás, já o são. Têm sido noticiados, quase todos os dias, assaltos racistas e xenófobos em escolas, ruas e estabelecimentos comerciais. Não que não existissem antes - a América já nos mostrou que, infelizmente, essa é uma realidade difícil de arrancar. Porém, as razões tornam-se agora, a olhos de muitos, justificadas, pela “limpeza” profunda que Trump quer implementar no país. E ninguém sai ileso: vemos muçulmanos, sul-americanos, asiáticos, afro-americanos e seja quem for diferente do americano branco e das suas crenças cristãs, a tentar defender a sua identidade de puros actos de ódio, mesmo que tenham nascido numa América livre. E pior ainda, estes exemplos alastram-se mundo fora.
A mim, dizem-me: “não te preocupes, és branca e tens estudos”. Um estranho sentimento assola-me a alma quando desdramatizam a situação. Por vezes é difícil lidar com o receio de uma sociedade cruel, que se transforma todos os dias num cúmulo de pânico, medo pela liberdade de expressão… Mas onde é que já vi isto antes?
A verdade é que ainda estão todos à espera de ver se as acções serão tão agressivas quanto se diz. Vejo imensa gente inquieta por saber se continuarão nos seus postos de trabalho, e até neste país. Nós cá em casa também nos questionamos todos os dias. E a ansiedade paira no ar… Talvez seja altura de voltar ao nosso cantinho abençoado. Esperemos para ver!