o riachense

Sexta,
29 de Março de 2024
Tamanho do Texto
  • Increase font size
  • Default font size
  • Decrease font size
Enviar por E-mail Versão para impressão PDF
Canção Grata

"Por tudo o que me deste
Inquietação, cuidado
Um pouco de ternura
É certo mas tão pouco
(…) Obrigada, obrigada
Por aquela tão doce
E tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
(…) Que bem me faz agora
O mal que me fizeste
Mais forte, mais serena
E livre e descuidada
Sem ironia (…)
Obrigada (…)"
(Carlos Queiroz.)

Os versos acima transcritos (da Canção Grata que recordo na belíssima voz de Teresa Silva Carvalho), bem poderiam ser, num contexto anedótico e anacrónico, endereçados pelas mulheres republicanas portuguesas de princípios do século XX, aos seus companheiros de muitas jornadas, os homens republicanos que tomaram o poder em 1910.
Neste ano, de 2010, em que se comemoram os 100 anos da implantação da República, e no dia 8 deste mês de Março deste mesmo ano, quando mais uma vez, por todo o mundo, mulheres e homens celebraram o Dia Internacional da Mulher, difícil seria não lembrar a histórica ingratidão masculina, que após o 5 de Outubro de 1910, recusou o direito de voto às mulheres, que ao seu lado, anos a fio, lutaram pela divulgação dos ideais republicanos, por uma sociedade mais justa, sem privilégios, com progresso e instrução para todos e todas.
Mas, como sabemos, nem sempre a gratidão acontece quando o poder acontece.
Uma vez instaurada a República, os progressistas homens republicanos que assumiram o poder, retiraram sem cerimónia o tapete às suas companheiras de muitas lutas, alegadamente, segundo alguns, por recearem a enorme influência da Igreja Católica sobre as mulheres, que não estariam preparadas para participarem na vida política da República.
O poder tem por vezes destas coisas, seduz para as suas causas quem as pode servir bem, e neutraliza quem já não serve.
Em 1911, nas primeiras eleições para a Assembleia Constituinte, depois de muito lutar, a médica e sufragista Carolina Beatriz Ângelo, com 32 anos, conseguiu ver o seu nome nas listas de voto, tendo sido a primeira mulher portuguesa a votar, e a única, até mais de 60 anos depois. O seu atrevimento foi sustentado no facto de reunir todas as condições estabelecidas na lei republicana, incluindo a de chefe de família (era viúva e mãe), e no facto de a palavra cidadão ser aplicada tanto a homens como a mulheres. O seu acto foi enaltecido por uns e criticado por outros. Mas logo a seguir, para que não servisse de exemplo, à lei foi dada nova redacção, ficando claro que apenas os cidadãos do sexo masculino podiam votar. O salazarismo alargou o voto a algumas mulheres, mas só depois do 25 de Abril de 74 o voto foi alargado a todos e todas sem discriminação de género portanto.
Mas as mulheres que lutaram pela República não desistiram dos seus ideais, mantiveram-se nas suas lutas, e foram exemplo para as gerações seguintes.
Neste ano e neste mês, apetece-me mesmo agradecer a estas mulheres e a muitas outras mais. A todas as que acreditaram ser possível um mundo melhor. A todas as que se rebelaram contra a irracionalidade dos preconceitos contra as mulheres. A todas as que directa ou indirectamente contribuíram de algum modo para a minha felicidade. Às que desbravaram caminhos para que eu pudesse ser incomparavelmente mais livre do que elas. Às que fizeram teatro e cantaram antes de mim, que dançaram num rancho folclórico, antes de mim, que andaram de bicicleta, vestiram calças compridas e calções, se maquilharam e vestiram fato de banho, cortaram o cabelo e tomaram a palavra em lugares públicos. As que escolheram os livros que leram e os filmes a que assistiram. As que lutaram contra a autoridade paternal para conseguirem estudar. A todas as que têm arregaçado as mangas e dedicado algum ou muito do seu tempo a causas sociais, políticas, culturais. Às que têm ocupado lugares de liderança que durante milénios lhes foram interditos. A todas as que têm trabalhado para bem das suas comunidades e que realizando-se ajudam outros a realizar-se. Às anónimas que fazem duas e três jornadas de trabalho por dia, e mantêm limpo e tranquilo o mundo que as suas mãos toca.
Não podendo nomeá-las a todas neste espaço de jornal, neste ano e neste mês em que a Banda Filarmónica de Riachos comemora os seus 126 anos, banda que como todas as bandas filarmónicas da sua idade deverá ter, em 1911, entusiasticamente, tocada a “Portuguesaâ€, neste mês e neste ano celebrando todas, evoco o nome de uma só, o da Dulce Sá, que tal como Carolina Beatriz Ângelo, também foi primeira, a primeira mulher que assumiu a direcção da banda riachense. Direcção que abandonou este ano, mas que assumiu durante quase uma década.
Certamente que os muitos e muitas jovens a quem a Dulce carinhosamente entregou velhas e novas fardas, lhe ficarão para sempre agradecidos, tal como os pais destes jovens. Certamente que a Banda Filarmónica, e a comunidade riachense, lhe prestarão a homenagem devida, não por ser mulher, mas pela dedicação (sem sequer o grato prazer directo do palco e dos aplausos) com que durante tantos anos se entregou a esta causa. Certamente que o seu retrato, o primeiro de uma mulher, figurará ao lado dos outros directores, para que a Dulce não seja mais uma das muitas mulheres esquecidas pelos homens e pela História.
Para não ser ingrata nem o meu agradecimento extemporâneo, deixo aqui à Dulce o meu agradecimento pessoal, por ter assegurado a continuidade duma banda que desde a infância me faz correr para a janela para a ver passar. Obrigada por poder tê-la como exemplo da dedicação, preocupação e carinho de uma dirigente a um tão grande número de jovens.
Quando estamos gratos há que verbalizar a nossa gratidão sem demoras, porque depois pode já não ter o mesmo sabor. Por isso, neste mês de Março, obrigada.
Antes de finalizar, quero expressar ainda a minha gratidão aos muitos outros homens que juntamente com os republicanos (atenuada a ingratidão destes pelo contexto histórico, pela falta de coragem política, ou pelo medo do poder encantatório da voz das mulheres), têm lutado por uma sociedade melhor e mais justa. Aos que ao lado das mulheres, seja na intimidade dos seus lares ou no mais alargado espaço público, têm dado passos mais largos, permitindo à humanidade caminhar mais depressa no caminho da sua humanização.
Por vezes somos ingratos. Outras vezes parecemos ingratos porque não expressamos a nossa gratidão. Outras vezes ainda, a expressão da nossa gratidão é frouxa, ou então não tem o efeito que deveria ter porque acontece já fora de tempo.
Para não ser ingrata nem a minha gratidão extemporânea, a todos e a todas OBRIGADA!
Actualizado em ( Quinta, 27 Janeiro 2011 15:29 )  
{highslide type="img" height="200" width="300" event="click" class="" captionText="" positions="top, left" display="show" src="http://www.oriachense.pt/images/capa/capa801.jpg"}Click here {/highslide}

Opinião

 

António Mário Lopes dos Santos

Agarrem-me, senão concorro!

 

João Triguinho Lopes

Uma história de Natal

 

Raquel Carrilho

Trumpalhada Total

 

António Mário Lopes dos Santos

Orçamentos, coisas para político ver?
Faixa publicitária
Faixa publicitária
Faixa publicitária
Faixa publicitária