o riachense

Sexta,
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Carlos Simões Nuno

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 Boletim Meteorológico

Os grandes educadores

O Senhor Nosso Primeiro pegou no Grande Livro das Estatísticas, fiel guia pelos atalhos desta vida, de que nunca se arrependeu. Folheou-o, olhar atento, e mais uma vez lhe ressaltou a Verdade, como se estivesse escrita com letras de néon: nos acidentes ferroviários, havia sempre mais vítimas nas carruagens de trás.
O Senhor Nosso Primeiro acenou, entendido. Nessa semana ainda não tinha tomado nenhuma decisão para o bem da humanidade, era chegada a hora. Imperial, assinou o decreto: dali em diante, os combóios passavam obrigatoriamente a circular sem a última carruagem.
A recriação desta velha anedota de almanaque tem vindo a ser frequentemente actualizada entre nós, praticamente a cada edição do Diário da República, sempre carregadinho das melhores intenções que nos hão-de tornar, nem que seja à força, parecidíssimos com o retrato previamente encomendado pelos desejos de um governo para quem o que conta são os números todos bonitos num papel, a realidade depois que se engane se quiser, que eles fizeram tudo certo e estão sempre de consciência tranquila.
Uma das mais recentes destas decisões (gostaria mais de escrever “uma das últimas decisõesâ€, mas já deixei de ser optimista há muitos anos) é a do encerramento das escolas de primeiro ciclo com menos de 20 alunos, o que atingirá várias centenas de escolas pelo país dentro, talvez perto de um milhar de escolas situadas nas aldeias onde ainda, apesar de tudo, há miúdos e professores, o que parece não caber na cabeça de quem manda nestas coisas. Recordemos, só para melhor se perceber o alcance desta medida, que já antes tinham sido fechadas muitas outras escolas, as que tinham apenas meia dúzia de alunos.
Para mim, uma medida destas apenas traduz uma visão utilitarista, normativa e, no limite, exclusivista do processo educativo.
Não tenho dúvidas acerca das vantagens do conhecimento do mundo, da abertura à experiência e à diversidade como condições essenciais para o desenvolvimento pessoal e para o enriquecimento cultural das crianças. O que eu não vejo é como é que tal só pode ser conseguido à custa do encerramento das escolas nas aldeias e da concentração dos miúdos nos centros escolares que por aí se apregoam, ou antes, não sei porque é que aquelas condições não podem também ser conseguidas nas tais escolas que agora se pretendem fechar com base num critério automático, que vai sendo ajustando sabe-se lá como ou porquê (a seguir fecham-se as de 21 alunos? ou as de 30, de 40...?).
É que não estamos a falar de qualquer especialização em engenharia espacial ou biologia molecular, onde certamente só poderá haver resultados efectivos se houver equipamentos sofisticados, presença de especialistas, possibilidade de experimentação. Estamos a falar de miúdos de seis ou sete anos, para os quais a escola se deve inscrever muito mais no processo de socialização primária, de construção de relações uns com os outros, com as famílias, com o seu território, de progressiva abertura ao mundo, ao mesmo tempo que adquirem bases de instrução suficientes para a inscrição das aprendizagens escolares posteriores e isso, desculpem lá as possíveis vistas curtas que possa ter, não me parece que seja difícil de conseguir, talvez até com mais proveito, na escola da terra, com um professor interessado e com os recursos técnicos e didácticos que hoje estão disponíveis com toda a facilidade.
Recuso, assim, duas coisas: uma visão tristemente essencialista, para quem uma escola pequena num meio rural só pode ser, inevitavelmente, uma escola pobre, atrasada, deficiente, pois a isso corresponde a ideia de um mundo povoado de montanheses cobertos de peles, aos urros e a atirar pedras a todos os estranhos que se aproximem do seu covil (é só recordarmos que estes argumentos já eram os que recusavam a abertura da Chora Barroso em Riachos ou, mais longe nas névoas da memória e da sociedade antiga, justificavam a tropa como a única hipótese de os “nhurros†chegarem a ver as luzes da cidade e as ondas do mar; os salva-almas acabam por ter sempre argumentos muito parecidos...).
E recuso também a ideia de uma escola de modelo único, campo de treinos para o “homem novo†com que sonham todos os engenheiros sociais, exclusivista e vertical, onde só cabe o que se acomodar aos critérios estatísticos e normativos pelos quais tudo querem avaliar e controlar.
Valerá a pena ir buscar exemplos de outros mundos possíveis, em apoio da resistência que se deve fazer a mais esta aberração autoritária? O do movimento das escolas rurais, no Alentejo, Península de Setúbal e Minho, de dinamização dessas escolas de aldeia onde se constroem redes de relações com o território e com quem os habita e, ao mesmo tempo, com outras escolas, lugares e experiências? O da escola de Várzea de Abrunhais (Lamego), onde o pequeno tamanho e a localização aldeã não impediram o desenvolvimento de práticas pedagógicas, e de vida!, que levaram à atribuição do prémio inovação da Microsoft? Ainda há alguém com disponibilidade para ouvir e reflectir sobre estas medidas automáticas, cegas e indiferentes, fora da realidade do mundo?
Que se fechem escolas a cair, sem condições materiais ou pedagógicas, sobretudo se essas condições estiverem disponíveis e acessíveis noutras escolas, nada tenho a discutir. Que se decida que aquelas escolas são, automaticamente, as pequenas escolas nas aldeias, só pode provocar-me revolta e estupefacção pelo apoio que muitos dão a essa decisão.

 


Carlos Simões Nuno

Actualizado em ( Quinta, 28 Outubro 2010 09:11 )  
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