o riachense

Sbado,
20 de Abril de 2024
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Carlos Simões Nuno

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BOLETIM METEOROLÓGICO

Como é linda a natureza (parte dois e última)


Segundo parece – e deve ser assim mesmo, pois o orçamento de estado tornou isto oficial – vivemos acima das nossas possibilidades.
Ainda ando a tentar perceber bem o que é que faz ali, naquela frase, este nossas, que me cheira a reencarnação do impagável Mário Jardel a falar de si próprio na terceira pessoa, como o Júlio César dos livros do Astérix; se não é isso, também não deve andar muito longe do plural majestático, mas enfim, deixemos esse mistério para outros outonos.
Dizem as estatísticas* que em Portugal as pessoas têm, em média, mais de dois telemóveis cada uma, e são daqueles que também tiram fotografias, tocam música, indicam a saída da auto-estrada e põem ovos em caso de necessidade. Ameaça-se com o boicote das eleições se a aldeia de covas de baixo não tiver internet de banda larga, que não são menos que os mais e também têm que entregar os pedidos de subsídios à agricultura, as declarações de rendimentos, os atestados de pobreza, as listas de compras on-line e os emails a dizer mal dos políticos e dos locutores da televisão através dos magalhães e dos e-escolinhas que andaram a ser distribuídos às portas das igrejas. Vêem-se horas e horas diárias dos mesmos dois ou três canais de tv, dos cento e cinquenta que se instalaram em casa através de fibra óptica. Toda a música dos tops anda pendurada nas orelhas, nos mps não sei quantos.
Vive-se cada vez mais em cidades, passeia-se e compra-se em hipermercados e centros comerciais, anda-se de carro para tudo o que sejam deslocações a mais de duzentos metros.
E no entanto, no meio de toda esta parafernália tecnológica, deste exibicionismo de modernidade, os portugueses continuam candidamente a acreditar em milagres.
A descida da taxa de mortalidade infantil, de 77 bebés com menos de um ano em cada mil nascimentos como acontecia em 1960, para pouco mais de 3 mortes em 2008 é, certamente, graça de Nossa Senhora da Expectação, nada tem a ver com a melhoria do acompanhamento médico das grávidas, a assistência hospitalar aos nascimentos, a criação de uma rede pública de cuidados pediátricos.
O aumento da esperança média de vida, que passou de 66 anos para as mulheres e 60 para os homens em 1960, para 81 e 75 anos, respectivamente também para mulheres e homens, em 2008 (já agora, é também isto que leva, em Portugal e em tantos outros países, a subir a idade da reforma), deve-se a uma compaixão de S. Bento da Porta Aberta, e nada à medicina geriátrica, à melhoria da alimentação e das condições de habitação, à universalização das reformas e sistemas de previdência social, à criação de centros de dia e de apoio aos idosos. Também nada tem que ver, certamente, com campanhas de turismo sénior, de acções de vida activa para os velhos, de formação intelectual, etc., para que tenham ainda algum gozo e interesse nos seus últimos anos, findado que foi um modelo de sociedade que lhes dava um papel relevante na vida doméstica de famílias alargadas e que os valorizava como recursos de experiência social e de transmissão de saberes.
Isto de a malta ter um mínimo de instrução e de conhecimentos, traduzidos em diplomas escolares mas também em saber línguas de fora, lidar com equipamentos complexos, utilizar os recursos técnicos e comunicacionais e numa maior autonomia de decisão nas questões que se enfrentam na vida de cada um (isto é, menos dependentes do “senhor prior”, do “senhor doutor” ou do “senhor regedor”), com mais de 65% da população de idade superior a 15 anos sem qualquer escolaridade em 1960 e de menos de 10% à entrada do actual século, é um milagre que se deve agradecer ao Doutor Sousa Martins e à sua estátua no Campo Santana em Lisboa, era o que faltava atribuir isso à construção de escolas secundárias, ao apoio social escolar, à rede de bibliotecas públicas ou à vontade de melhorar o futuro dos filhos que os portugueses possam ter tido.
A mudança do lugar da mulher, como indivíduo pleno e autónomo na sociedade, com carreiras profissionais, qualificações e rendimentos próprios, só pode levar a acender uma vela ao Espírito Santo e à santinha Alexandrina de Balazar, nada se relaciona com o alargamento dos serviços públicos e a tercearização da economia, sectores por excelência empregadores de trabalho feminino e com melhores níveis de remuneração. Mesmo que não se esqueçam as consequências na brutal baixa de natalidade ou na especialização, por género, de algumas áreas profissionais.
A diminuição espantosa dos acidentes rodoviários e das mortes na estrada – obrigado, S. Cristóvão! – com 2300 mortos em 1990 e pouco mais de 800 em 2006, é indiferente às melhores estradas e auto-estradas, ao melhor parque automóvel, às campanhas de prevenção, à possibilidade de ter mais cuidado com a manutenção das viaturas.
Uma vida mais cosmopolita, viajada, cultivada, que permite mais experiências, comparações e conhecimento de outras realidades e propostas (por exemplo, em 1960 o público de espectáculos ao vivo foi de 160 mil, em 2008 foi de seis milhões) acontece pela bondade do Senhor Ganesh (também para alguma coisa há-se servir o termos passado a ser um país de imigrantes...). E é ao também bondoso santo Padre Cruz que se deve a água quente nos canos e a lâmpadazinha acesa nos tectos.
Mas, pelos vistos e ouvidos, vivemos acima das nossas possibilidades. Isto quer dizer exactamente o quê? Que vivemos melhor do que devíamos? Que pronto, está bem, sempre se fez o 25 de Abril para acabar com aquela miséria de antigamente, mas também não era preciso exagerar? Que era o que faltava, querermos agora todos viver como os ricos?
Acontece que eu não conheço melhor maneira de se aproveitarem os recursos, do que a sua redistribuição. É, de certeza, melhor solução do que a concentração e controle nas mãos de alguns iluminados, que paternalmente tomem conta de nós e nos corrijam as ânsias e as destemperanças, para evitar congestões e deselegâncias. Há uns espertos a aproveitar para viver sem trabalhar? Há pessoal que não consegue controlar o consumismo? Há muita exibição de vaidades? Claro que sim. Mas o problema é a malta ter, finalmente, algum dinheiro no bolso para gastar?
Ou o problema é terem continuado, e crescido, as assimetrias sociais, precisamente o que mais impede a racionalidade na utilização dos recursos, sejam estes abundantes ou escassos? E a cultura de clientelismo e de corrupção, que gerou os varas, os coelhos, os pinas mouras, os dias loureiros, e o espírito de revanchismo social, de onde sairam os medinas carreiras, os hernanis lopes, os silvas lopes das televisões? E a incapacidade de ver para lá do curto prazo, dos ciclos eleitorais e dos compromissos e compadrios que garantem poderes, protecções e benesses? E a cedência a todas as pressões e interesses, corporativos, financeiros, especulativos, mediáticos? E a bebedeira de novo-rico, que confunde o mostrar com o saber?
Se, como penso, eram estes os verdadeiros problemas, não era por aí que se deveriam procurar as soluções, em vez dos cortes nos apoios sociais, as subidas de impostos, os estrangulamentos económicos, as demagogias de oferecer vítimas e espectáculo aos algozes ululantes?
Pois é, só que não é essa a nossa natureza...
Carlos Simões Nuno
*os dados apresentados estão no Público, no Diário de Notícias, na página electrónica das Estradas de Portugal, no livro Portugal: os Números, de Maria João Valente Rosa e Paulo Chitas.

Deste autor, leia também:

Como é linda a natureza (parte um)

Os grandes educadores

Actualizado em ( Quinta, 28 Outubro 2010 09:10 )  
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