Estranha forma de vida
Já não tenho nome. Tive um, algures no tempo, mas esqueci-me dele num beco qualquer de uma cidade desconhecida. Era mais uma forma de me sentir rotulada…
Também não tenho idade: sempre uns me deram mais pela forma de falar, outros deram menos pelo meu aspecto “pequenoâ€.
Ah, também não tenho nacionalidade. Mas também, que importa?
Aqui sou eu. Uma mulher do mundo, e isso basta.
O passado já não me assombra, nem o futuro me preocupa.
O presente? Oh, esse chega em forma de beijo desembrulhado aos que o quiserem receber, ao som de um qualquer abraço descompassado.
Cheguei, sem querer mas ao mesmo tempo com todo o meu desejo, a uma ilha. O mar apagou a realidade que um dia fui – e que tinha escrito, com grãos de açúcar na areia, para não me esquecer.
A água que rodeia esta ilha é doce e, por isso, faz parte dos sonhos e das fantasias. Porque estes também são doces.
É por isso que a idade aqui não vigora, e podemos ser tudo. No fundo, seremos sempre nós, mas na época que quisermos e sem “porquêsâ€. E o tempo passa mas não nos leva nada.
Quem sai da ilha não volta mais, porque este tempo não permite a lembrança do caminho. Chegámos, ponto final.
A humanidade tem cada vez menos loucos saudáveis e, com grande tristeza da minha parte, cada vez mais loucos perversos.
O destino do mundo transforma-se a olhos vistos e estas ilhas de mar doce serão cada vez mais ricas, porque menos povoadas e menos conhecidos. Os poetas e sonhadores, os exploradores de uma nova e singular forma de vida já são quase uma raça em vias de extinção.
Quem inventará depois os sonhos e as fantasias e as aventuras? Quem contará depois que um dia fomos os heróis do mundo, e que poderemos – se quisermos – sê-lo todos os dias?
Histórias para contar a um paÃs que não sabe onde deixou os próprios sonhos: é isto que somos, afinal.
Uma estranha forma de vida…