o riachense

Quinta,
25 de Abril de 2024
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Luís Pereira

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  Jornada de Caça…

 


Sexta-feira. Estas últimas vinte e quatro horas permitiram-me saber várias coisas que talvez já soubesse mas pelo menos ficaram mais explícitas. Primeiro não sou caçador e penso que nunca virei a sê-lo. Desde que cheguei aqui ando sempre com três telemóveis, dois mauritanos e o meu português, penso que até hoje nunca tinha ficado sem bateria nos três. Desta vez fiquei e deixei gente preocupada. Guida desculpa! Não consigo fazer o tempo andar para trás.
O que é que se passou? Muito bem, aqui vai. Há bastante tempo que tinha curiosidade em saber o que move tantas pessoas a deixar o conforto e sair pelos campos à caça. Tratei de tudo e ontem à tarde fui buscar o guia e partimos os dois para a zona de Foum Gleita. De notar que o Cheikh (lê-se chérr) só fala hassanya. Daqui a Foum Gleita são uns 150 km. Mantivemos um diálogo impecável. Quando saímos da “estrada” ele caçou logo uma lebre. Pensei: isto começou bem!
Chegámos a uma aldeia que tem um nome que, embora eu o tivesse perguntado umas dez vezes, não consigo escrever. Aí procurámos o “capitaine”, responsável militar pela caça na zona. Na casa deste, completamente às escuras, entretive-me a apreciar a via láctea, imensa e espectacular, num céu nocturno maravilhoso, quase esquecido na nossa terra, devido à iluminação nocturna. O Cheikh, veio de lá com a autorização, por escrito, de caça. Isto, repito, numa aldeia sem luz eléctrica e já completamente ao escuro. Aqui tive a notícia que o Sporting empatara 1-1. Também aqui liguei para casa a informar das minhas actividades.
Fomos a outra aldeia onde jantámos, algo que não sei o que era. Estava completamente escuro e à moda daqui come tudo do mesmo recipiente, claro que cada qual usa a sua mãozinha. Sei que tinha cuscuz, não pelo que vi, mas pelo gosto. Continuámos, passámos noutra aldeia, que consegui perceber era a do Samba. Andámos em zonas de vegetação, que tem tanto a ver com a mauritana, como eu. Vegetação frondosa. Canais de irrigação por todo o lado. Arrozais. Aldeias. Muitas. Chegámos a um posto militar, junto da barragem.
Mais uma vez o Cheikh, recebido como filho da terra. Ele foi militar, está na reforma, e serviu nesta zona, todos o reconheciam. Grandes festas. E javalis? Nada. Resolvemos atravessar o Col de Wa-Wa para o lado do lago. Ao passar no alto, surgiu uma imagem inesquecível. A lua a nascer sobre as águas. Enorme. Espelhava como se contivesse toda a prata do mundo. Descemos. Dirigimo-nos à água. Parei para tirar fotos. Noite incrível. Resolvi aproximar-me mais um pouco. Tirei a última foto, com a minha máquina não se deve ver nada.
Entrei no carro e percebi que tínhamos um problema. Só por estar parado afundou. A margem parecia uma praia. Areal. Ondas - é verdade - esta albufeira é tão grande que tem ondas. Só que isto é uma barragem. O nível das águas começou a baixar. Estava parado numa zona que parecia areia. Mas não era. Por baixo da areia (5 cm) existia um limo completamente saturado. Às dez horas da noite de 5 de Novembro, comecei a escavar por baixo da carrinha. Expliquei numa chamada para casa a situação, que não era grave, apenas chata e a prometer muito tempo para resolver. Lá pela meia-noite, última chamada de casa, “vai dormir que eu tenho a noite feita”. À uma da madrugada, desistimos de escavar, já com a ajuda do Abdelaye, pescador que vivia ali, grande amigo do Cheikh.
Fomos a pé junto do posto militar, onde estavam todos, incluindo as sentinelas, a prestar contas noutro mundo. Passámos o Wa-Wa a pé. É espectacular, a lua nesta altura já ofuscava as pequenas estrelas. A resposta dada, após insistência e muitos salam alekums, foi que amanhã, alguém lá iria ajudar. Voltámos. Eu dormi no carro. O Cheikh pediu um tapete ao Abdelaye e dormiu em cima dele, coberto com o seu bubu. Hoje assisti a um nascer do sol espectacular, sobre as águas de Foum Gleita. Enquanto o Cheikh se dirigiu novamente junto da prometida ajuda eu fiquei junto do carro. Para não ficar pardo tirei mais umas quantas pazadas de areia debaixo da carrinha. Chegaram. Uns seis. Mais uma carrinha. O condutor ao ver um toubab naquela situação, começou a exigir dinheiro, embora não tenha achado piada nenhuma disse que sim, evidentemente depois de baixar a exigência para metade. Mesmo com pessoal a empurrar, uma carrinha a puxar e mais umas quantas pazadas, aquilo não saia nem por nada. Aquele limo saturado fazia sucção.
Finalmente saímos. Depois de doze horas de atascanço, parecia mal voltar sem nada. O Abdelaye tinha saído para a pesca. Fomos ter com ele. Quando saímos de Foum Gleita, para onde tínhamos ido apanhar javalis, vínhamos com uns dez quilos de peixe. Alguns exemplares tinham mais de um quilo. Há muitas horas que estava sem telefone algum. Sem bateria. Logo três. Felizmente um deles é um pouquinho melhor que os outros e deu para ligar e perceber que em casa não se tinha dormido com a preocupação. Partimos. Ao fim de algum tempo a carrinha começou a falhar. Não conseguia passar dos 30 km/h. Tentei ligar para toda a gente da base e … nicles. Tudo no petisco. E telefones nada. Só o Jamaldine me atendeu ao fim de algum tempo, mandou o Demba, para me rebocar se fosse o caso. Não foi preciso. Ao fim de 24 horas estava de regresso à base, pelo meu pé. Percebi que caça não é o meu desporto. Os telemóveis, se bem que em 27 meses pela primeira vez deixei acabar as baterias de todos, são para estar carregados. E pese as ralações que dei aos mais queridos, foi uma jornada inesquecível, de descoberta e encantamento. Notas curiosas, o Cheikh tem um filho com seis meses, chamado Louis, em minha honra. O puto é branquinho, meio alourado e tem o rabo preto como tinha a minha Inês quando nasceu. E o meu tempo aqui entrou em contagem regressiva, percebi isso quando adorei aquela lua a nascer sobre aquela albufeira. Foi o início do adeus.


(6 de Novembro de 2009)

 
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