o riachense

Quinta,
25 de Abril de 2024
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Cinema Paraíso & Cinema Olympia
Memórias de Aldeia

 

 Ao escrever o pequeno resumo sobre a fita de Tornatore, para apresentar no ciclo “Museu do Cinema”, apareceram muitas ideias e imagens que me marcaram ao longo dos 54 anos de vida que levo. Embora não disponha de mais espaço para um texto mais completo, não resisto, contudo, a partilhar apenas uma ínfima parte delas, até pelo que significam enquanto parte da minha vida e de outras pessoas que, espero, verão nesta síntese um pouco da nossa história comum passada, então, numa aldeia e, quem sabe, poderão complementar esta reflexão, adicionando-lhe a sua própria “versão dos factos”. Antes de mais, um abraço para todos quantos partilharam comigo estes tempos, estas vivências, estas inquietações.
Nessa memória fugaz são relevantes o nosso Cinema e o Sr. Manuel “Lontro”, projeccionista e fotógrafo (o nosso Alfredo tornatoriano), pelo amor com que nos passava os filmes do Tarzan e de “cóbóis”, e tantos outros, e é relevante lembrar a Geral, mais barata do que a Plateia, em que alguns de nós só sentávamos rabo de vez em quando, mas onde fazíamos, sempre, grupo. Na Geral, o Manel das Neves, o nosso “Pegacho”, criava tiradas de filosofia espontânea e outros ilustres personagens das nossas memórias de aldeia animavam com interjeições e muitos “hás...” e outros “huns...” e muitas outras coisas ditas, e muitos dichotes, todos eles semeados a esmo entre a liberdade de comentários admitidos e a censura de um Balcão onde se sentavam melhores e maiores posses e onde, havendo figuras de progresso (então ditas subversivas), também pontificavam outras castiças figuras do arranjo social da então Riachos, aldeia ribatejanamente firmada segundo os preceitos dos tempos de Estado Novo. Nesse espaço de cultura e convívio, as cenas da separação social eram bem desenhadas pelos que, tendo mais possibilidades (como se dizia então...), subiam ao varandim de mostrança social de uma aldeia que se poderia comparar à que o filme de Tornatore evoca, limadas obviamente, as singularidades das duas culturas locais em apreço.
Na nossa aldeia, o curso dos dias era pontuado pelas condições de vida difíceis, porque era assim o Portugal de então, em que a emigração e a guerra do ultramar roubavam gente de perseverança e de mocidade e vigor, obrigados a tomar outros rumos, ficando os que, por uma ou outras razões, se iam desenrascando conforme podiam (à nossa boa maneira...), de uma vida balizada pelos mesmos preconceitos espalhados por um Portugal cinzento e triste. As picarias animadas no Campo da Bola e as tertúlias (hoje chamam-se assim...) no Café Central do Sr. António Tomé, provando vinho novo e petiscos, dançando olhares para as raparigas, as nossas Elenas, e o Café Lezíria, do Sr. Manuel Barroca de distintas imperiais bebidas com vista para o Largo, este nosso largo de horizontes locais e de promessas de novos mundos como os que Salvatore procurou..., pontuavam parte da nossa vivência.
Depois, e mais particularmente no meu caso e no que toca a cinema, o meu mundo fílmico passava pela Barbearia do Sr. Maia, aos Riachinhos, onde as actrizes norte-americanas debruçadas nas molduras verdes de bom pinho pintado, marcavam o espaço aéreo das mesas e raptavam a minha atenção porque me obrigavam, de bom grado, à deambulação pelos seus rostos de divinas mulheres das fitas, musas providas de olhos tão belos e não menos soberbos peitos entrevistos nos generosos decotes, e onde o exímio jogo de dominó do Sr. Maia estabelecia o tempo de concentração e silêncio e, depois, na cantata da sua tesoura e do seu assobio baixo inconfundível, eu ia sonhando adolescentemente embalado na cadeira e nos meus próprios sonhos.
Depois, era, também, o “El Rodrigo”, o Sr. António Rodrigues, da Rua dos Condes, autêntica enciclopédia no que se referia a nomes de filmes, enredos, datas de produção e as outras discussões que me deixavam extasiado pelo seu saber fílmico e outros saberes. Esta constatação é tão mais justa quanto, na época, havia apenas jornais da designada situação, havia grande dificuldade em contar com uma imprensa mais moderna e arejada, porque os meios de informação e comunicação eram manietados por um Estado ditador, Estado postado de orelhas moucas à possibilidade de mobilidade social e onde o Sr. Rodrigues, se nascido noutras circunstâncias, poderia ter sido uma figura de vulto cinéfilo ainda mais reconhecida do que esta minha singela homenagem e, provavelmente, uma peça importante da cultura, porque senti sempre, naquele homem modesto, mas culto, que essa era uma sua vocação natural. Totó/Salvatore também retrata essa possibilidade mas a personagem do filme italiano vence, como se observa na narrativa da fita. No caso português e do El Rodrigo, essa profecia não se materializou, certamente com perda nossa. Esta é, hoje, neste particular caso, a minha convicção. Outros casos haverá, certamente.
Não posso esquecer, igualmente, as gentes que remavam contra a maré e, ontem como hoje, se agrupavam, e agrupam, do lado da vida que vale a pena, vida de ideais e de luta pelos valores da humanidade. Seria injusto da minha parte, tentar retratar neste enredo que escolhi, através da evocação do filme “Cinema Paraíso”, tanta outra gente riachense e das localidades confinantes, porque a economia de redacção, a que me obrigo nesta circunstância, avisa a deixar tal nota. O perigo de esquecer algumas outras personagens muito importantes no filme da minha vida aconselha-me a registar esta questão, tão claramente.
Tal como o filme Cinema Paraíso nos mostra, também a nossa Aldeia estava impregnada de valores compagináveis com a Amizade, com a Camaradagem, com o Amor, com o Saber, com a Vivência Social, com a Cultura, etc., e com os lados positivos e negativos do que é a nossa vida individual e em sociedade. Este empreendimento do jornal O Riachense e do Cineclube de Torres Novas dever-se-á saudar, precisamente, porque ilustra, a meu ver, essa consciência, essa preocupação mas, acima de tudo, uma prática consequente com aqueles valores.
Espero que esta iniciativa possa, efectivamente, contribuir para que sejamos mais felizes. O cinema, para mim, tem também essa função. Espero ter escolhido bem e desejo que este momento constitua uma partilha.
Agradeço aos Promotores esta oportunidade e desejo os melhores sucessos a esta e outras iniciativas.

Actualizado em ( Quarta, 08 Junho 2011 17:07 )  
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