o riachense

Sexta,
26 de Abril de 2024
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Farinha Marques

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  Abramovitch, czar de altos comércios

1.São Petersburgo, Verão de 2001
Talhadas em mármore vermelho da Finlândia, monolíticas, à proporção da cidade e da Rússia, as colunatas da catedral de Sto. Isaac afrontaram o regime instaurado com a revolução de 1917. Sobreviveram, pois, e assim também o mais que se vê da catedral, ao camartelo demolidor que deitou por terra milhares de templos e outros edifícios de culto, na sua maioria ortodoxos, e que, entretanto, não foram destinados a quaisquer fins ou actividades espúrias.
E porque prevaleceu o decoro, foi preservada e transformada, sob a dominação soviética, em museu, museu do ateísmo.
A silhueta da catedral deslumbra, nas noites brancas de São Petersburgo. Evocadas por Dostoievski, as noites de Verão de São Petersburgo representam um raro conúbio entre a luz e as trevas. Com efeito, ali o sol não adormece por inteiro.
Rente ao passeio que ladeia um dos pórticos da Catedral, um velho Lada, exangue, teima em não ceder aos intentos do seu dono, apostado em conduzi-lo para outro local, ao abrigo da neve e do gelo no Inverno que está por pouco.
Um outro, arquejante, soçobrou, sem apelo, ao rés da colunata, ante o manifesto desespero do seu condutor. E por aí fora, ao longo do Nevsky Prospekt, ou Avenida Nevsky, que atravessa a cidade de meio a meio.
Lada, o leitor saberá, é a marca de um veículo fabricado, exclusivamente, pela indústria automóvel russa. Memória, ainda que ténue, de um tempo já antigo.
Corre o ano de 2001. São Petersburgo é uma cidade sem paralelo, onde se casam, com raro equilíbrio, a arquitectura e a escultura monumental. Tudo num cenário de eleição, nas costas do Báltico sobre o delta do Neva.
Fica-me, todavia, na retina, a imagem, que oprime, de uma grande metrópole vazia, crepuscular, sublinhada pela desproporção demográfica entre a desmesurada escala da cidade e a actividade que a preenche.
A periferia, essa é deprimente: grandes blocos de apartamentos, monolíticos, degradados, sem condições aparentes de habitabilidade, tendo presente o rigor do inverno no norte da Rússia.

2. Julho de 2011. Um novo olhar sobre São Petersburgo
Quando, há precisamente dez anos, visitei São Petersburgo, tocou-me vivamente a magnificência da sua arquitectura, como aliás, a elegância dos edifícios e a recta correlação de todos eles entre si.
São Petersburgo é uma cidade de fundação recente, edificada sob o risco dos melhores arquitectos europeus, pelo impulso de Pedro o Grande, que a apresentou ao mundo em 1703. Tudo segundo um plano traçado com uma racionalidade, coerência e rigor pouco comuns na Europa de então. Basta notar, por exemplo, que, até princípios do século XX, era defesa, em São Petersburgo, a construção de edifícios a cotas superiores à do Palácio dos Imperadores (23,5 metros). Outro tanto se não dirá de Lisboa, Paris, Londres ou Moscovo, cidades milenares, onde as vicissitudes da história deixaram marcas indeléveis.
Conquanto mantenha toda a sua opulência e riqueza visual, São Petersburgo aparenta grandes e significativas transformações do ponto de vista sociológico, a que não serão alheias, obviamente, mutações de grande alcance obradas na estrutura do regime político e da sociedade russa.
Estamos, desta sorte, mais perto, caro leitor, do tema indiciado pela epígrafe desta crónica.
Ora, São Petersburgo que, há dez anos, se me figurava um ermo, num quadro majestoso de palácios, templos, avenidas, exibe agora um rosto novo: automóveis de grande cilindrada, indutores de prestígio e estatuto (Porshe, Mercedes, BMW, Audi, Lamborghini) lojas de marcas altamente cotadas (Prada, Gucci, Versace) e, sobretudo, de gente que passa como em qualquer boulevard de Paris.
Os automóveis pontificam, em detrimento do transporte colectivo. E circulam a velocidades estonteantes. Os velhos Lada, esses rareiam, são meras peças de museu.

3. Moscovo, Julho de 2011
Moscovo é uma cidade bonita, acolhedora, cuidada. E um atractivo e vasto repositório de monumentos e vestígios de várias épocas históricas, onde avultam a Praça Vermelha, com as cúpulas bulbiformes da Catedral de S. Basílio, o Kremlin, o Teatro Bolshoi, a Catedral de Cristo Redentor e o Metropolitano, emblema do estalinismo. Nos anos trinta, Estaline promoveu um novo estilo arquitectónico que se define pela monumentalidade, ainda hoje patente nos grandiosos apartamentos do proletariado, de par com a construção de alguns edifícios de índole revivalista, no chamado estilo gótico-estalinista, onde avulta o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Datam dessa época novas e amplas avenidas para cuja construção foi mister sacrificar algumas igrejas e outros edifícios.
Fui, nesta visita, conduzido por uma profissional de turismo, senhora de provecta idade, no limiar dos 75 anos, mas dotada de invulgar energia e competência. Habita, segundo ela, um modesto apartamento de 31 metros quadrados. Porque o valor da sua pensão de reforma é equivalente a um terço do seu último salário, vai conduzindo turistas aos locais mais atractivos de Moscovo, com o que provê a uma existência mais digna.
E foi numa pausa desse seu múnus que a questionei sobre o fenómeno Abramovich.
Hesitante, e com aparente descrença quanto à justeza dos meus propósitos, foi debitando algumas notas, temperadas com comentários avulsos que denunciavam claramente a apologia do antigo regime.
De qualquer modo, sempre foi adiantando que, anteriormente à Perestroika, a economia - como, aliás, os bens de produção - estava, na sua totalidade, sob administração do Estado. Sucedeu que, no início da década de 70, a União Soviética passou a adquirir trigo e milho no exterior, o que se afigurava economicamente incomportável. Com o anúncio das suas políticas de reestruturação, por Mikhail Gorbachev, em 1985, o velho sistema entrou em declínio.
Estavam lançadas as bases para as inexoráveis transformações sociais, políticas e económicas que viriam a culminar com a própria desintegração da União Soviética.
Na década de 90, e sob a capa das privatizações, surgiu uma elite, com profundas raízes no aparelho do partido comunista e do Estado, os chamados "novos russos" que se apropriaram das empresas estatais até aí sob a sua direcção. Ou seja: os antigos directores passaram a ser os novos titulares das empresas.
Este fenómeno que, afinal, se traduz na emergência de uma nova geração de capitalistas, não é inteiramente novo, se tivermos presente a apropriação de grandes empresas e grupos económicos pelos generais vencedores da guerra travada em Angola pelo MPLA e pela UNITA.
Roman Abramovich que, na dominação soviética, foi governador de uma província, é um dos grandes beneficiários da transição, auferindo proventos que não será fácil computar, sobretudo no domínio dos negócios do gás e do petróleo.
Abramovich é, pois, um verdadeiro czar, sem coroa nem ceptro, no mundo insondável dos negócios induzidos pela transição.
O regime russo, manifestamente difuso, onde, todavia, ainda impera uma clara obsessão securitária e controleira, está longe de superar as vicissitudes menos lisonjeiras da transição patentes na opulência gratuita, no despesismo, na ilícita acumulação de riqueza, no exibicionismo e ostentação e, sobretudo, no grande fosso que, entretanto, se cavou entre ricos e pobres.
Daí o título desta crónica, meu caro e paciente leitor.

Actualizado em ( Quarta, 24 Agosto 2011 15:16 )  
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