o riachense

Sexta,
26 de Abril de 2024
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António Mário Lopes dos Santos

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A pátria antoniana não me serve de futuro


Não sinto o amor a Portugal que o escritor António Lobo Antunes declara na sua entrevista à jornalista Maria de Fátima Pereira. Eu tive sorte, declara, ante o sucesso editorial dos seus livros, no planeta. Os portugueses têm inveja, mordem-se, roem as unhas, fecham as gavetas da memória, não são capazes de enfrentar o olhar que espreita sardónico do espelho em que evitam enfrentar-se.
Lobo Antunes lembra-me, pela negativa, o frade da sopa de pedra. Que fizeram os malandros dos políticos do meu país? As pessoas passam fome, as pessoas isto, as pessoas aquilo, mas, quando lhe dizem que literatura é a casa do homem e este só defende a ternura, a dignidade, a amizade, o amor a outrem, se vier para a rua e der, se necessário, a vida por algo que nada tem de religioso, nem de eternidade, nem de sobrevivência, nem de enaltecimento pessoal, António Lobo Antunes fica-se com a divindade da escrita, a cruz da obra, o pedido de só mais um livro como os fanáticos dos campos de futebol exigem do seu clube, quando está por cima.
Portugal dói-me, desde que Mário Soares e Cavaco Silva nos enfiaram na Europa, sem consulta popular, e aceitarem a desigualdade europeia na igualdade inexistente e cínica do Euro, de mãos dadas com os banqueiros e os off-shores do nosso purgatório civilizacional. E a avalanche dos empréstimos serviu para tudo aos partidos políticos portugueses e aos sindicatos, desde os cursos de formação absolutamente inúteis, às mudanças de escalão no ensino, às obras comparticipadas a fundo perdido que nunca o foi senão na mente dos que jogam, como a maioria dos governantes portugueses, no Euro milhões no dia seguinte ao sorteio.
O que fizeram esses malandros deste país, pergunto, que glorificaram o que é perecível e difícil de controlar, o cimento, o vidro, o ferro, o alcatrão, como os símbolos do progresso, o oásis da civilização, o endividamento que quando chega à altura, nunca é do governo que, no momento, cumpre o que os mercados mandam, ninguém lhe chama desonesto, vígaro, cúmplice das máfias profano-religiosas que a Camorra celebrizou, e que passavam como um rio no seu leito por todos os lugares hierárquicos da Itália hoje berlusconizada, ontem da democracia cristã?
Não sinto o amor exigível a este Portugal, que não tem uma justiça credível, um presidente da República que possa, no mínimo, lavar as mãos como Pilatos e ignorar o que corre sobre os seus bens na Internet, governos que se confundiram com a banca e a especulação financeira, com uma corrupção pior que a pneumónica, que tudo infecta, como um vírus de ganância, que transforma ministros em administradores, agentes secretos em conselheiros de empresas, banqueiros mafiosos em comendadores da pátria, mesmo que se refugiem em Cabo Verde, e se vejam as autoridades à caça da multa do carro mal estacionado, e nunca da cassação do alvará da publicidade enganosa que vendava automóveis, andares de dezenas de milhares de euros, moradias de luxo, negociatas entre empresas, consultórios de advogados e políticos, e isto tudo em nome da «puta» da pátria que já o mestre Bordalo Pinheiro no António Maria, há mais dum século, exautorava.
Recuso-me a ceder ao amor à pátria dum Lobo Antunes que foi presidente da comissão de honra do presidente da câmara da minha cidade, António Rodrigues, quando o irmão se candidatava a vereador camarário. Recuso-me a – temos a mesma idade – fazer de Nostradamus de pacotilha, quando se cedia tudo por uma escola transformada em vivenda de escritor na freguesia da Zibreira, lugar do Almonda. Como o escritor denunciou na entrevista, o dinheiro faz muito jeito, e a pena que me fazem os pobrezinhos, ai a pena que. Recuso-me a levar a sério o escritor António Lobo Antunes, e a preferir a poesia de guerra do Assis Pacheco, a literatura de Jonathan Littell (As Benevolentes), a raiva indefesa de Roberto Bolaño, no 2666.
Há cada vez mais literatura em vez de seres humanos na mercancia das letras em que este país se autoflagela, para gáudio, gozo e lucro das editoras de nome e proveito do país. Cada vez Marcelo Rebelo de Sousa apresenta mais livros nos suas monocratas intervenções pagas a peso de ouro a falar a uma pátria que dispensaria ter que o gramar. Marcelo é da mesma têmpera do escritor Lobo Antunes. Ambos falam de cátedra, ambos são heróis da banda desenhada da Visão e da SIC, leitos escamosos de rios onda as piranhas espreitam os incautos. Ambos são defensores duma pátria, como a que Gomes da Costa trouxe de Braga, ou da que em Guimarães com Sampaio e CIA vai sendo o local do início., que nos levou à guerra colonial de Salazar, a Santos Costa, a Henrique Tenreiro, ao Cardeal Cerejeira, a Marcelo Caetano, á brigada do reumático, à revolução traída de Abril, aos MFA’S que se pavoneiam linfáticos e podres em cada efeméride, à merda a que isto chegou, sem ninguém preso, um ministro, um secretário de estado, um banqueiro, um autarca, um juiz, um militar, e a economia a ser vendida como banha da cobra nos canais genéricos e na imprensa nacional, como se fosse um tesouro de Ali Babá.
E vem agora alguém que parece não ter nada com isto, um Passos Coelho chegado das Brumas de Avalon, como se não houvesse submarinos sem resposta, cornucópias de baldrocas com universidades que nunca foram senão locais de toma lá dá cá, e vá de exclamar que todos têm de pagar a vigarice da política madeirense, em que se pode ser deputado e empresário no mesmo voto, como se os sobreiros fossem algo que o Espírito Santo apresentaria aos pastorinhos em Fátima para salvação da finança sempre fidelizada e abençoada.
E na minha casa de dois professores, um reformado, lá se vão quatro subsídios, além dos descontos sobre os ordenados e reformas, além da inflacção e as reduções nos remédios e exames clínicos, e os aumentos de tudo o que é bom para os trocos da Troika.  
Aos 69 anos começo por já não ter fôlego para correr atrás dos ladrões, mas não lhes esqueço os nomes, nem os rostos, e se Sócrates e o seu governo é culpado, julguem-nos, mas não se esqueça quem disse que isto da Europa era uma cornucópia e levou os bancos a levar à falência tanto português, e se ficam a rir nos seus locais de mando, e ainda andam pela Europa a debitar preconceitos e muita ética.
O meu brio de Português começa na arraia-miúda e nas suas razões, no seu desconforto e na sua resignação, em relação aos que a iludem com salvas de anjos e misérias de antanho. Vejo muita gente de fé de joelhos em Fátima, nunca vi um simples padre, um bispo, um papa a cumprir a promessa da gente simples. Daí que acrescente, ao escritor Lobo Antunes – abandone o umbigo. Ao grande escritor que é, faltam-lhe Os Maias do século XXI. O resto é vento, que o tempo dissipará, anos, séculos, pequenas esquírolas dum osso roído. Admiro a fé humana, a dúvida, a eterna pergunta do que é a vida, para que serve, o que significa E respeito as formas de perseguir a angústia que é a demanda desse graal de si.
A minha pátria tem pouco com a de Lobo Antunes e o seu umbigo de angústias.
A minha pátria é a que sai à rua contra a usura, contra a exploração do ser humano, contra a corrupção, contra a guerra, contra os 5% que detêm os poderes do mundo, que na sombra usam o rapa, tira, deixa, põe, que nos humilha, nos transforma em farrapos, em suicidas por vergonha e exclusão, ante a miséria familiar, a doença impossibilitada de tratamento, porque parte da medicina trocou a regra de Esculápio pela moradia de luxo, a conta bancária, a hipocrisia humanitária, a fome e o desemprego que criam muita pena mas cuja solidariedade não é abrir-lhes a porta, associá-los na empresa, partilhar os lucros, gastos em iates, moradias em paraísos fiscais, investimentos nos negócios pouco escrupulosos da traficância da saúde.
A minha pátria lutou conta a guerra que o fascismo usou, com milhares de mortos e dezenas de milhares de estropiados, hoje tão esquecidos, como se fossem um parente incómodo que se esconde em casa.
Recomeçou em Abril, foi traída em nome da Pátria de poucos, amou Vasco Gonçalves, acreditou em Maria de Lurdes Pintassilgo, um pouco no troca-tintas do Otelo. A minha pátria é um povo de esquerda que se não quer dividido, e que dispensa os divisores que só se buscam como futuros líderes de povos sem memória.
A minha pátria é uma democracia que não pode cumprir-se com esta infâmia contra o ser humano.
Meu caro escritor António Lobo Antunes, se tiver coragem volte ao Dinossauro Excelentíssimo do Cardoso Pires. A pátria anda por aí.

 
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