o riachense

Sbado,
20 de Abril de 2024
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António Mário Lopes dos Santos

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AS FREGUESIAS, SENHORES POLÍTICOS, SÃO DO POVO

 


Não venho discutir O Livro Verde da futura reforma autárquica, nem as sucessivas interpretações que a classe política concelhia, na senda da nacional, vai articulando em relação ao tema. Nem sequer vou tomar posição, em relação ao assunto, ainda que já, diga-se, em artigo neste periódico, tenha expresso algumas genéricas opiniões.
O que me preocupa é a partidocratização do assunto em debate, que ultrapassa em muito os senhores políticos dos vários quadrantes ideológicos, e, se não houver preocupação dos munícipes, será por eles cozinhado, mastigado, digerido e defecado, sem qualquer intervenção dos principais interessados, os fregueses.
A legislação autárquica actual pouco mais fez do que transformar as Assembleias em tentáculos do poder presidencial, quer as de freguesia, quer as municipais. Quando um presidente de freguesia vota numa Assembleia Municipal, interrogo-me, representa o quê e quem – a freguesia, a assembleia, a posição da junta, o partido por que foi eleito, ou a si próprio?
Quando uma Assembleia Municipal, que reúne de quando em quando, discute e aprova documentos emanados do executivo municipal, com que sentido crítico os vota? O dos partidos que lhe definem o voto? Que sabe o deputado municipal do funcionamento quotidiano da autarquia? Que tempo dedica ao estudo da sua prática, em relação aos documentos e orçamentos que aprovou?
O livre verde da possível reforma autárquica já fez, ao que consta, muitas reuniões político-partidárias no concelho. Os vereadores já definiram as opiniões dos seus partidos em reuniões camarárias, segundo se lê na imprensa local. Presidentes de Junta já catalogam as freguesias que sobrevivem, as que desaparecem, as que se casam ou só se juntam.
E o povo, o que significa no meio disto? Tem voz? Opinião? Fala? Assina abaixo assinados? Ou é o surdo-mudo que interessa aos partidos políticos?
Assumo lembrar aos vereadores e aos deputados municipais duas obras, que mostram o papel da sociabilidade no mundo rural e urbano, na organização do território, no seu desbravamento, na sua função de regulador da relação centro/periferia, que definem o concelho de Torres Novas e o seu concelho na época medieval e na fase da centralização do poder régio, iniciado com D. Manuel no século XVI: Formas de Assistência num meio rural, de Iria Gonçalves, sobre o mundo concelhio de Torres Novas, a partir do século XIII, e Confrarias Medievais da Região de Torres Novas, edição camarária da transcrição paleográfica feito pela actual directora do Arquivo distrital de Santarém, Leonor Damas Lopes, do tombo das Capelas de Torres Novas, existente na Torre do Tombo, em Lisboa. É que o que se está a discutir não são coisas abstractas, que as estatísticas quantificam e o conceito mercantilista do território classifica.
Estamos a falar de pessoas, com nomes, com vida, com relações familiares, com ligações à terra, ao outro, às estruturas sócio-religiosas que fazem o seu património, o relato do tempo nas lendas e tradições, o seu lugar no espaço de algo que lhe está entranhado, desde a continuidade geracional do nome de família, ao saber de experiência feito aprendido desde a infância na sua relação com o meio, com o outro, com o profano e o sagrado dum local tecido por milhares de pessoas ao longo dos séculos.
Discutir o futuro das freguesias, ignorando-lhes o passado, é possível, pior do que isso, é o que está a ser feito pelas Juntas de freguesias, os executivos e assembleias municipais, os partidos políticos. Falta neste debate o principal interessado: o povo, a sua história e património, que aí vive.    
Não é só possível, como fácil, ao contrário do que eu acreditava, destruir um país.
Estamos, numa fase, em que essa destruição está a ser feita por gente que tem da política o tamanho da ambição da sua conta bancária nacional, na Suíça ou em qualquer paraíso fiscal, de cócoras entre uma Alemanha que já destruiu a Europa em duas guerras mundiais e uma França demasiado Folies Bergères para se recordar que foi, na Europa, o terror dos privilegiados e a defensora das liberdades e dos direitos humanos.
O país encolhe cada vez mais ao tamanho de Lisboa, o interior é algo de primitivo, que se mostra nas festas das romarias, nos programas turísticos muito ao gosto dos presidentes das Câmaras, que se pelam pela sua imagem no ecrã do televisor. Enche-se de médias e grandes superfícies e centros comerciais, e fecha para obras, deixando aldeias sem escolas, sem centros de saúde, sem farmácias que aí julgavam vir a ter futuro, sem jovens casais e crianças a encher as ruas e os adros onde os velhos contam o tempo pelos companheiros que vão rareando e as casas abrem fendas e perdem as estruturas, com as bofetadas do tempo também em degradação.
A política do despovoamento das aldeias, da sua descaracterização e morte a prazo, há muito que vem sendo forjada por políticas de relações promíscuas entre políticos e empresários. O crescimento urbano, assente em terrenos de areia, gerou fortunas, criou emigrações, desertificou aldeias, secundarizou a agricultura a troco das importações, transformou as freguesias rurais, primeiro, em dormitórios da mão de obra dos meios urbanos, depois em locais de turismo rural, mais tarde em pesadelos de envelhecimento e abandono.
Por este caminho, no nosso caso, dentro de algumas gerações, seremos um concelho onde parte substancial deixou de ter vida própria.
E o pior é que as lavagens ao cérebro que este povo tem sofrido transformaram-no numa espécie de zombie, que tudo aceita, a tudo se resigna, entregue ao fado do seu destino como uma maldição multissecular.
Um país que morre sufocado, sem protesto, pode bem deixar de existir, sem se dar conta disso.

Actualizado em ( Quarta, 23 Novembro 2011 12:41 )  
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