António Mário Lopes dos Santos

Quarta, 20 Março 2013 12:38 nuno Opinião
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Carta à candidata do Bloco de Esquerda, Deputada Helena Pinto

Era Bom Poder Desenhar A Escrita do Tempo

Comecemos pela amizade, de anos, e das múltiplas afinidades ideológicas duma concepção de esquerda da vida, do mundo e da ética da acção política. O meu desejo nestas eleições seria ver-te como Presidente na Câmara Municipal de Torres Novas, numa lista conjunta dos partidos de esquerda com representação concelhia, o PCP/CDU e o BE, com independentes, onde a hierarquização estivesse aberta, como o programa, à discussão e alterações públicas. 

As opções começam a separar-nos, hoje mais do que ontem, quando, por razões de partidarismo, os interesses comuns, colectivos, das sociedades, são secundarizadas ante as ambições da assumpção do poder. Os partidos de esquerda, infelizmente, obedecem, em eleições autárquicas, mais às directrizes das cúpulas partidárias do que às realidades locais. Pessoalmente, não consigo compreender o interesse, já nem refiro o objectivo, concelhio de duas listas e dois programas, como se o ódio velho de famílias desavindas prolongasse nos séculos a tragédia que Shakespeare deixou no Romeu e Julieta.

A morte da unidade é preferível à humildade do reconhecimento da necessidade importante da diversidade?

Até consigo perceber que a intransigência seja mais do PCP, do que do BE, mas a realidade é que, de Norte a Sul, as direitas andam de braço dado e terão as suas votações práticas na maioria dos concelhos, e a esquerda (e aqui também incluo certo PS, mas evidentemente não o concelhio) contenta-se em lançar vinagre nas feridas, a ver quem mais tempo tem de antena nas televisões ou nos comícios de protesto, a fiscalizarem-se uns aos outros, nas intervenções, palavras, presenças. Há algo que as esquerdas portuguesas deveriam compreender, faz parte do senso comum, da aprendizagem da experiência: a hipocrisia cansa. E, a sua repetição incessante, desmobiliza.

Passemos ao programa, porque as listas são o que as directrizes do partido definiram. Nelas também existem pessoas que muito respeito e estimo, seria injusto ultrapassar o que defino por um erro histórico, que se pagará caro – a não existência da lista única – ,e não só no futuro imediato das eleições autárquicas.

Não compreendo que se consiga vir falar de alternativas, sem uma imagem do que somos, quantos somos, o que fazemos, de que vivemos. Qual a importância, o valor, o poder de decisão, dos sectores primário, secundário, terciário? Em que assenta , hoje,a estrutura económica , social e cultural do concelho?

Mas, e antes de tudo, durante vinte anos o PS dominou o poder autárquico concelhio. Os resultados são uma dívida que passou de pouco mais de 600 mil euros para mais de 30 milhões. Como se chegou a esta dívida? Em que obras? Quais os preços iniciais e os finais? A que se deve as derrapagens? Quem são os responsáveis? Não há legislação para os desvios, os erros, o que se descobrir?

Quando defendo que, se fosse hipoteticamente candidato (a vida já me curou desses desejos) a presidente da Câmara, seguiria o mesmo rumo de Humberto Delgado em relação a Salazar, obviamente demito-o. O que significaria que o primeiro ponto da minha agenda seria a duma auditoria geral às receitas e despesas da Câmara, nesses 20anos, para esclarecer de vez as dúvidas de possível corrupção, de abuso dos dinheiros públicos em acções privadas, factura a factura, recibo a recibo, capítulo a capítulo, alínea a alínea. Inquietante? Ou necessidade de transparência, de esclarecer o que se diz entre dentes, por uma questão de dignidade até de quem termina os seus mandatos.

Depois, queria saber, muito concretamente, do funcionamento dos quadros dirigentes da autarquia, das suas nomeações e relações com o poder político, da sua contribuição para a política de autoritarismo desses vinte anos, centrados no controlo das freguesias, das escolas, das autarquias, das colectividades, nas arbitrariedade da recompensa e do castigo, consoante fosse apoiante do poder ou contrário a essa total autoridade.

Colocaria na balança o que o filósofo José Gil define como o sistema do medo (Visão, 4 de Julho de 2013). Como reflexão dos silêncios dentro do silêncio, «o medo do conflito é o princípio da nossa moral social. Da via única. Do bom senso, da «decência» dos comportamentos. .. o que provoca mais razões imaginárias de ter medo do que as que realmente o provocam»

No fim, colocaria o projecto de programa à discussão pública, para a criação dum plano sempre móvel, sempre aberto, sempre dinâmico, sempre alterável, fiscalizado por uma democracia participativa, donde não descuraria uma promessa do passado que, mais uma, nunca passou do papel – a dum provedor concelhio, independente, para ouvir as queixas dos cidadãos.

O problema do autoritarismo é que, desconfiado de tudo e de todos, usa demasiados olhos e ouvidos para controlar subalternos, colegas, adversários, rodeia-se de simples lambe botas, transformados em informadores, usa a técnica do pau e da cenoura para, na gestão da administração, na educação, na cultura, no desporto, no associativismo, no ambiente, na saúde, na imprensa e na rádio, nos concursos, nas relações intermunicipais e mesmo nas internacionais, impor pelo medo, pela chantagem, ou pelo suborno, a mais absoluta autoridade.

Uma lista como a que defendi e defendo, para o concelho, decerto, se não ganhasse, acabaria com a maioria absoluta do PS e daria uma certa esperança a uma população, que parece ter sido envolvida numa praga, tal o grau de ruínas, de obras inacabadas, de incúria e abandono, de despesas inúteis, de aumentos de taxas sem contrapartidas, em todas as freguesias, urbanas ou rurais. Onde a palavra mais dura, mais lúcida, mais expressiva do tempo em que vivemos, é IMPLOSÃO.

Lamentavelmente, a divisão política partidária da esquerda não só não é alternativa à continuidade duma política dum PS absolutamente inábil e incapaz duma autocrítica democrática, como permitirá que se mantenha o mesmo trajecto e a mesma política de destruição da identidade dum concelho como o de Torres Novas.

Por isso, amiga, estou, como cidadão, sempre disponível para o diálogo, e ao apoio duma unidade de esquerda, num projecto concelhio que assente claramente na participação democrática dos cidadãos, na autonomia, na gestão fiscalizada dos gastos públicos, numa auditoria das despesas destes últimos 20 anos, num programa que se construa ouvindo quem, no terreno, está mais perto dos problemas.

Desculpa-me, se, por muito que o meu coração deseje ao BE o melhor resultado, a razão leva-me a dizer-te que não é com o BE ou o PCP em conflito por lugares de poder o caminho que o concelho espera da esquerda.

Um abraço amigo

10 de Julho de 2013 

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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt 

Actualizado em ( Quinta, 11 Julho 2013 10:05 )