nuno Opinião
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Um combate a travar pelas vidas


Uma só palavra para Mandela, dum cidadão que teve a honra de ser seu contemporâneo: obrigado.

Há ainda muitos apartheids para derrubar neste século XXI. Um deles, o renascimento do espírito pangermanista, que Merkl representa, num pós-guerra esquecido, pretendendo  transformar em zonas colonizadas os países da Europa do Sul. Terciarizar Portugal, a Grécia, a Espanha, como protectorados, com mão d’obra especializada, barata, disponível. Privatizar, despedir, embaratecer, comprar a preço de saldo, livre dos prejuízos e dos encargos. 

Traz-me à memória a razia judaica feita pelos nazis alemães, com a cumplicidade da maioria do seu povo, não só às vidas das raças consideradas inferiores, como à rapina dos seus bens. Nascido em 1942, sofri a influência das senhas de racionamento do fim da guerra na mercearia da família, e ficou-me na melancolia a tristeza enraivecida das cadernetas da escassez e fome colectivas, onde, já nos pós-guerra, também colei selos. 

Ficou-me no espírito. Além dum quotidiano de miséria e pobreza sociais, a interrogação de qual seria o destino familiar, se a neutralidade de Salazar, que foi um dilecto admirador da política fascista e racista de Mussolini e de Hitler, tivesse sido quebrada, já que, embora sem qualquer ligação real à crença judaica, houvesse pelo menos num dos ramos familiares, o materno, algo que a colocaria em perigo. 

Nunca percebi o racismo, sempre o tive como um pretexto económico de exploração de seres humanos por outros, que, com a pseudo alergia da cor da pele, da religião, se autodominam os senhores do mundo, colocando as maiorias  na lista dos escravos às ordens dos seus desejos, caprichos e ambições. E usam todos os métodos, os mais sujos, os mais sadomasoquistas, os mais cruentos, para a aniquilação de qualquer resistência à sua voracidade insaciável.

Passei a minha vida a lutar por sonhos (utópicos?) dum mundo melhor, mais justo, mais livre, mais democrático, mais igual, mais humano. Não me arrependo, e confesso, não desisto. Nas prateleiras das minhas selecções pessoais, sempre coube um José Afonso, uma Maria Lamas, um José Lopes dos Santos, um Miguel Torga, como um Guevara, um Luther King, um Paul Éluard, Um Brecht, um Pablo Neruda, um Drummond de Andrade, um Cabral de Mello Neto, um Garcia Lorca, um Charlie Chaplin. E tantos outros que ficam nas estantes das minhas viagens pelo tempo da aprendizagem da utilidade da vida.

O mundo não está fácil. Nunca esteve. Mas o capitalismo assumiu, como nunca no passado, o controlo globalizado, dominando, pela sedução, pela compra, pelo esbulho, pela violência, pela corrupção, pela superioridade dita rácica, a sociedade, a religião, a política, e economia, a justiça, a cultura, a imprensa, as forças armadas. Não há país, neste tempo, no planeta, que não sinta nas suas leis a mão dos conspiradores da alta finança e da banca, através de lacaios vendidos por menos dos trinta dinheiros, chefes e teólogos  de partidos políticos que nos órgãos de governação e de administração civil e militar, protegem os seus interesses, traindo os direitos dos seus cidadãos à sua dignidade e exigida humanidade. A democracia vendeu-se à plutocracia, as desigualdades abriram fundas ravinas nas sociedades contemporâneas, os países pós-industriais sucumbiram ao fascínio dos mercados que não são mais que guilhotinas do espírito democrático, o terceiro mundo arrasta-se para um quarto mundo, numa ânsia dum lugar nesse eldorado em desequilíbrio, porque, mesmo desigual , persecutório, arrogante, desumanizante, é muito diferente e melhor daquele donde fogem. Cada vez mais aumentam, a nível planetário, os condenados por existir, crianças, jovens, adultos, velhos, para quem as elites desejariam um apocalipse que os libertasse de grossa fatia dessa vermina populacional parasitária dos «seus bens», ficando a restante para servi-las. A armadilha é o cansaço, a desistência, o desalento, a passividade, o medo. Abra-se um jornal, oiça-se uma rádio, veja-se um noticiário televisivo, percorram-se canais do cabo, viaje-se pelo facebook – o veneno contagia e adormece a raiva contra a injustiça, como um jogo de futebol de alto risco para escape dos fanatizados. 

Nada do que parece é, neste mundo onde o palco é o próprio local em que se vive.

Sempre houve vozes que resistiram, vozes que percorreram séculos, espaços, nos ensinaram que um homem pode mudar o curso da história, um homem que há em cada um de nós. Cada um conhece as suas. E nos sussurram que há alternativas para esta desumanização, este novo racismo económico, este rosto neonazi do dividir para reinar, esta violência em nome duma religião, este cada vez mais monopolizar o que planetariamente é usufruto de todos os seres vivos.

Há um combate a travar, uma vida inteira, para que a vida humana tenha um lugar ao sol, não é Madiba?

12 de Dezembro de 2013 

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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt 

Actualizado em ( Quinta, 12 Dezembro 2013 11:06 )