André Lopes Opinião
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Que se há-de fazer a um PS que tem mais medo de si do que dos outros?

O PS português é um partido incapaz de viver unido na oposição. A sua ganância do poder é tanta que, ganhas de forma clara, mas sem foguetório, as eleições europeias, começou a pensar no imediato nas legislativas, no fim do poder da Aliança Portugal (a ANP dos neo -corporativistas de Passos Coelho e Paulo Portas), reduzida a 27,71%, do terço de portugueses que foi às urnas, sem contar os brancos (4,41%) e nulos (3,06%). Quanto valerá, hoje, o PSD? E o CDS/PP? Quando Portas critica o PCP por ter apresentado uma moção de censura no parlamento contra o governo, pedindo a sua demissão e eleições legislativas antecipadas, baseando-se em que «um sexto de um terço dos votos não faz uma revolução», poderia ter ouvido como remoque «e um cagagécimo faz que partido e como um vice primeiro-ministro?». O PS, ante a moção, engasgou-se, já com a contagem de espingardas entre António José Seguro e António Costa, cada um já a pensar-se o próximo primeiro-ministro, crentes da vitória socialista nas legislativas. Criticaram o PCP, que apenas os queria prejudicar, já que a últimas eleições eram um censura ao governo e, escreva-se, a Cavaco Silva - e de facto, os considerandos da moção do PCP são pior do que uma espinha na garganta europeísta do PS -, mas votariam a favor, porque censurado o poder nas urnas, como poderiam tomar outra posição? Curioso é que ambos os candidatos a primeiro-ministro assumiram esta atitude, sem divergências conhecidas. Como nada é ingénuo, ambos vieram comunicar sublinearmente que o PS não acredita conseguir uma maioria absoluta nas eleições legislativas e terá de fazer alianças, ou acordos, para governar. E, pela primeira vez, se ouve aos dirigentes desse partido «que a direita facilmente se une e a esquerda nunca o consegue». 

O que cria um problema ainda maior, a partir destas eleições, com um PCP mais forte, uma esquerda dita radical enfiada numa nau com muitos comandantes a ditar ordens para timoneiros desorientados, e um Marinho Pinto a navegar à bolina e a descobrir o caminho sebastianista para a alma de pé-atrás dos portugueses. 

E, pior que um tsunami ou um terramoto, quarenta anos depois da revolução de Abril, o manguito a todos os partidos nacionais de 66,10% de votantes, 6.398.350 cidadãos. 

Não equacionar este elemento no protesto a raiar o desespero duma maioria, que a cada eleição, se torna mais absoluta, lembra-me como a esquerda política, em todo o mundo, perde sistematicamente a sua justa razão de construção duma sociedade mais humana, mais igualitária, porque o primeiro adversário a eliminar é o que está a nosso lado, é o humano que discute o unanimismo e defende o diálogo como o verdadeiro caminho da democracia. 

Em Portugal é tão evidente que custa perceber como os dirigentes partidários da esquerda, e não só o PS, o não percebem. 

De momento, fica toda a oposição a este governo em fim de estação à espera do próximo capítulo do drama shakespeariano do PS. Por muito que o PC proteste, o BE imite, o Livre especule, Marinho Pinto se julgue um líder de massas, sem o PS a esquerda política portuguesa não ultrapassa o protesto legítimo contra o poder, que só mói a longo prazo, ao longo de gerações. A mudança democrática terá de ser feita com aquele partido, impedindo-o de que a sua ambiguidade o faça aceitar o arco de governação (CDS?, PSD, PS), excluindo toda a esquerda do combate pelo poder. Não é um caminho fácil, mas reconheça-se que há no PS sectores que defendem alianças ou acordos com os partidos à sua esquerda. As experiências frustradas das suas viragens à direita estão comprovadamente em risco de os fazer perder, na Europa, após a 2ª Guerra Mundial, a credibilidade como forças de progresso, já que a sua narrativa os transforma em sustentáculos do poder financeiro e especulativo, que é a essência da direita. Em Portugal essa imagem é muito nítida no PS. 

Daí que este Seguro versus Costa seja decisivamente eliminatório, num concurso de escalpes, onde se discute poder e compadrio, mais que clarificação e orientação políticas. 

Porque, das duas e uma: ou o combate à corrupção, às desigualdades, aos privilégios, ao desemprego, à injustiça social, se torna prioritário no seu projecto de poder, ou o PS se transforma (se não é já) num partido aparelhístico, só com apetite de poder, fazendo acordos com quem der mais, cada vez mais próximo da decadência dos partidos socialistas e sociais-democratas europeus. Será que algum dos dois responde? 

Aguardem-se os próprios capítulos, quando as inconstitucionalidades deste governo definidas pelo Tribunal Constitucional são ignoradas mediaticamente ante mais um Portugal-Grécia, que não consegue esconder que, sem Ronaldo, não passamos duma nação futebolística do terceiro mundo. Ou não será o futebol o espelho do país?

1 de Junho de 2014 

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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt 

Actualizado em ( Quinta, 05 Junho 2014 10:00 )