Quinta, 11 Setembro 2014 19:49 André Lopes Opinião
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Sou uma artista. Obrigado por entenderem

Teatro Virgínia que futuro?
Marta Tomé 

Este artigo de opinião começa com um título em jeito de afirmação porque nestas linhas tecerei considerações pessoais acerca de algo que me é necessário para o desenvolvimento da minha produção artística. Produção artística! Chavão para muitos. Para outros, coisa sem nexo à espera de ser anulada porque de facto o que de artístico se produz muitas vezes não tem qualquer tipo de sentido para o mais comum dos cidadãos (como se pode chamar produção artística se é uma arte efémera e imaterial? No fundo, no fundo, para muitos isso é produzir nada).
 
Mas falava eu de produção artística. Para quem não me conhece, trabalho na área da dança, dou aulas, sou criadora ou coreógrafa e intérprete ou bailarina. Para realizar o meu trabalho é fundamental que haja condições específicas e únicas, neste caso, falo do local mágico que é o teatro, espaço onde se apresentam as mais maravilhosas e as mais infames obras de arte! Sem este espaço, estou condicionada ao que já foi este país há umas décadas atrás. E não será preciso recuar muito, para encontrarmos verdadeiros atentados de desprezo pelo património material e imaterial que os teatros nos deixaram. Nesse tempo, a maioria dos teatros de que os municípios dispunham, ou estavam em mãos de particulares que os deixavam ao abandono, tanto programático, como estrutural (veja-se o caso do velhinho cinema Olímpia de Riachos) ou então, mesmo sendo propriedade das autarquias, a realidade era praticamente a mesma. Ora, é neste ponto que nos podemos encontrar novamente em relação ao Teatro Virgínia, equipamento cultural do município de Torres Novas. Mas já lá iremos.
 
Até agora, tenho falado apenas na perspectiva de que eu necessito do espaço do teatro para apresentar os meus trabalhos, mas um teatro não deve e não pode cingir-se a um serviço de cedênciaà sua população apenas na perspectiva do usufruto dos agentes locais. Veja-se o caso do Cine-Teatro José Lúcio da Silva em Leiria, que pouco mais não faz na área da dança que é programar os espectáculos de dança das escolas do concelho. Este ponto é pertinente porque se trata de um caso em que o serviço educativo de público na área da dança não foi, nem está a ser feito. Neste aspecto, o Teatro Virgínia tem feito um trabalho exemplar, nunca esquecendo o veículo fundamental para a execução deste serviço, os agentes culturais locais.
 
Orgulho-me de dizer que os meus alunos têm por hábito assistir a todos os espectáculos de dança programados pelo Teatro Virgínia. A questão da formação e da criação de público para as artes é muito pertinente, uma vez que esta rede de teatros municipais, que se criou aquando dos apoios europeus para a reconstrução dos mesmos, é recente. As autarquias têm um papel fundamental no apoio ao desenvolvimento cultural das suas gentes! A identidade de um povo é a sua cultura! A qualidade de vida das cidades não se mede apenas por dinheiro e obras. E sejamos sinceros, educação, saúde e cultura nunca realizam dinheiro no imediato, são precisas várias gerações para que esses efeitos se notem efectivamente. Posso dizer que me sentia orgulhosa de falar à boca cheia que o Teatro Virgínia era da minha terra e todos os meus colegas artistas ficavam espantados com a qualidade da programação deste teatro fora dos circuitos das grandes cidades.
 
Mas passando à questão do Teatro Virgínia deixar de ser empresa municipal. A agilidade de um espectáculo esbarra muitas vezes com o funcionamento institucional e enquadramento legal das autarquias. Não querendo tecer grandes considerações acerca deste ponto por não estar em condições de o fazer, nalguns casos, os teatros passaram a funcionar como empresas municipais apenas para colmatar esta falha. Entretanto, as leis mudam e muitos deles passam a ter que lidar com regras que não lhes estavam aplicadas ao início e por diversas razões, que mais uma vez, não me cabe a mim falar, vêem-se embrulhadas em gestões financeiras complexas que colidem com os interesses artísticos e programáticos dos teatros. E tal como o que se passou com o Teatro Virgínia, acabam por ter que funcionar noutros moldes, o que aconteceu esta semana encerrando-se a empresa Turrisespaços.
Mas “the show must go on” (o espectáculo tem que continuar)! Esta expressão é interessante de usar neste caso. Muitas vezes utilizada para caracterizar situações em que queremos referir que apesar de tudo o que acontece, temos que continuar e avançar. Ela levanta questões interessantes: raramente um espectáculo é cancelado por motivos de doença de um artista, muitas vezes actuam doentes; ou por lesão de um bailarino, muitas vezes dançam magoados; ou por falta de sono, muitas vezes os artistas e os técnicos fazem horas mais que extraordinárias de trabalho para que no dia do espectáculo tudo esteja pronto à hora marcada. Ora, os espectáculos acontecem maioritariamente aos fins-de-semana, isto pode ser um impedimento muito concreto no diz respeito ao funcionamento de um teatro com funcionários públicos (como se sabe têm um enquadramento legal de regime de trabalho diferente dos funcionários da empresa municipal). Poderemos ter colocado em causa o bom funcionamento do Teatro Virgínia apenas com esta mudança.
 
Como artista e agente cultural local estou muito apreensiva com este novo cenário que se avizinha. Sabemos de antemão que a situação actual é apenas assegurada por um ano relativamente aos funcionários, também sabemos que nem todos aceitaram a proposta de ficar e que a Câmara Municipal não pode colocar pessoas nos seus lugares, o que poderá inviabilizar muitos espectáculos, por outro lado poderá contratar prestadores de serviços que os substituam, mas isso sai sempre mais caro. Também temos a hipótese de arranjar um funcionário já existente nos quadros, mas neste caso a especificidade do trabalho é de tal ordem, que não existe ninguém que os possa substituir. Continuo apreensiva...
 
Sei que a minha posição pouco coincide com a da maioria das pessoas do concelho. Não sou ingénua a ponto de acreditar que tudo se manterá igual em termos de públicos, qualidade e visão artística da programação, quantidade de espectáculos e condições de trabalho para os artistas que aqui virão, se vierem, e até para os que cá se mantêm, os agentes culturais locais, a tentar manter o barco à tona de água!
 
Depois, não posso deixar de reflectir acerca de interesses e jogos de poder. Alguém terá interesse em que o Teatro Virgínia passe a ficar nesta situação? Questões de política e arte são sempre muito complexas. Não é que a arte não deva reflectir acerca da política! O que sempre questiono e questionarei até ao fim dos meus dias é a miscelânea em que se deixam espaços de fruição artística com quezílias políticas, onde há interesses de poder, de ocupação de lugares, em concordatas com o populismo! Neste caso confesso-me apartidária! E como dizia Rudolf Nureyev "o palco é a minha casa, a dança é a minha nacionalidade". Neste caso posso converter para: “o palco é a minha casa, a arte é o meu partido, a minha arma!”
 
Para mim, arte será sempre reflexão. O resto, é uma pena, existe e existirá sempre. Mas sem desvios de atenção, a minha pergunta mantém-se "Teatro Virgínia, que futuro?" e nada do que foi dito até agora esclareceu a minha questão... Nenhum dos responsáveis políticos da Câmara Municipal ou da Assembleia Municipal de Torres Novas apresentou um projecto concreto para a situação actual do Teatro Virgínia, cingiram-se apenas à questão do parecer do Tribunal de Contas e da forma como se integravam os funcionários da empresa nos quadros de funcionários da CM. Talvez seja por isso que me mantenho céptica... E talvez seja por isso que um dia eu diga que tenho que defender o Teatro Virgínia com unhas e dentes! Quem sabe?! Ainda me transformo numa okupa!

Actualizado em ( Quinta, 11 Setembro 2014 23:14 )