Terça, 17 Maio 2011 14:48 Opinião
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Era Bom Poder Desenhar a Escrita do Tempo
Os partidos, as eleições, os sarilhos a que chegámos

Procuro não me prender, em demasia, nesta campanha eleitoral, com os debates políticos televisivos.
Adiante-se, por clareza: sou um cidadão alinhado à esquerda, sendo esta muito próxima de movimentos políticos de cariz socialista e duas estruturas partidárias: o PCP e o Bloco de Esquerda. Posto isto, acrescento: sou absolutamente apartidário. Claro que defendo uma democracia com partidos, mas onde aquela se não esgota. Descobri que, talvez por feitio, por mentalidade, por uma certa indomabilidade intelectual, por uma curiosidade total e um desejo íntimo de saber o quê, o como, o porquê das atitudes e posições partidariamente assumidas, seria um cidadão mais útil para os meus contemporâneos fora dos regulamentos e das suas estruturas, que, por muito coerentes que aparentem ser, espartilham as vozes discordantes e que exigem mais transparência, clareza e discussão ideológica, do que a que realmente encontram.
Em suma, os partidos passam muito bem sem mim, e eu acompanho a sua intervenção quotidiana, concordando umas vezes, discordando noutras, dizendo-o sempre.
Não escandalizará, em consequência, a minha indiferença em relação aos debates entre partidos em campanha eleitoral para a Assembleia da República, já que os órgãos de comunicação social manipulam, a seu bel prazer, a informação, e os dirigentes partidários procuram, com maior ou menor capacidade de convencimento e alguma telegenia, passar a mensagem ensaiada no partido, que, na maioria das vezes, pouco ou nada tem a ver com a realidade dos cidadãos.
A primeira reflexão é que as listas partidárias, com ou sem crise, são organizadas nos bastidores das respectivas direcções, antes de qualquer acção ou programa, e nenhuma ligação manifestam com a realidade do país.
Uma vez mais os partidos encheram as suas listas de nomes totalmente ignorados e sem qualquer representação na vida pública das comunidades, respeitando apenas a aceitação e o compromisso ante o partido que os escolheu.
Uma vez mais meia dúzia de dirigentes, as elites partidárias, irão definir os caminhos da sociedade portuguesa, na futura Assembleia da República, segundo as suas constantes ideológicas de concepção do poder político, ficando a maioria dos eleitos a fazer a triste figura do sentar-se e levantar-se segundo a directriz dessas minorias, ou, num momento de possível opção da bancada, ler de forma atabalhoada um texto que outrem escreveu e que, se posto ante a possibilidade de ser questionado, tartamudear uma resposta camuflada, para não demonstrar ignorância.
A segunda é que os programas eleitorais não resultam de verdadeiros debates com as populações. A verdade é que circulam, da direita à esquerda comunicados e abaixos assinados de figuras públicas chamando a atenção para o essencial das questões nacionais, respondendo ao planos duma Troika neo-liberal, que exige, para  empréstimos nada baratos, a aplicação do seu predefinido  programa governamental, exigindo aos partidos que atingirem o poder o cumpram, doa a quem doer. Comunicados e abaixos assinados, diga-se, com nomes que ficariam bem nas listas da Assembleia e trariam ao país o que este, no essencial, precisa: criatividade, saber, inteligência, honestidade. Infelizmente o aparelhismo tem uma concepção ademocrática do poder, não abre mão das suas prerrogativas, mesmo que Portugal se aproxime aceleradamente da beira do abismo.
A terceira, e por agora, última – mas só aflora de forma muito superficial a realidade – é a incapacidade mental dum povo de pensar que está nas suas mãos a decisão do próprio destino, e só pela sua energia, acção combativa, intervenção cidadã na vida pública, destruirá o circo que lhe rouba o pão, opondo-se à resignação infeliz de aplaudir a sua mais que secular e atávica servidão.
A Feira Medieval de Torres Novas foi, mau grado a publicidade camarária e a jornalística, um exemplo bem claro dessa negação da realidade.
No século XX, levou quase 50 anos a substituição do regime fascista de Salazar e Cerejeira e Carmona, mais tarde Américo Tomás e Marcelo Caetano por, em 25 de Abril de 1974, a via da democracia. Na década de 80, a ambição do Eldorado e a crença na solidariedade europeia colocou-nos, na voz dos governantes sociais-democratas e socialistas portugueses, no pelotão da frente comunitário. Nos tempos de hoje, na altura do pagamento da factura do consumismo ao deus dará, da riqueza fácil e da corrupção de minorias espertalhonas e politicamente protegidas, aceita-se uma vez mais, por fatídico destino, substituir a liberdade e o direito à indignação pela factura da Senhora Meckel (que já comera o bife do lombo da agricultura, da indústria metalomecânica, do débito bancário), obrigando-nos ao paradigma multissecular de mão de obra barata e carniça da especulação empresarial e financeira portugueso-germânica.
Vitorino de Magalhães Godinho, falecido há pouco mais de uma semana, uma das grandes figuras lusas e mundiais do século XX, tão esquecido como o não foi, para nossa desgraça, o rei D.Afonso V, comenta, «como foi possível essa atrofia do sector primário e essa não menos espectacular e estranha hipertrofia do sector que «come» a renda sem fomentar a produção? Uma e outra resultaram da expansão ultramarina, quer para Portugal quer para Espanha, com o correlativo crescimento mercantil e a possibilidade de satisfazer, graças aos circuitos comerciais, as necessidades que a produção nacional não pode satisfazer»  Tão actual e tão pouco reflectido…
Não será altura de se porem de lado os pais da pátria e os seus procuradores nacionais, regionais e locais, essa rede de interesses que, sem rosto visível e sem pátria, cerca um povo e um país, em nome da sua gananciosa sopa de pedra?
Será que o nosso destino colectivo, a curto prazo, será o regresso aos hospitais da Misericórdia e à sopa dos pobres?
Os partidos e a partidocracia constitucional não estão isentos de culpa desta reinante e medíocre democracia de miséria moral a que chegámos.
Sairemos dela?
Actualizado em ( Quarta, 18 Maio 2011 10:28 )