António Mário Lopes dos Santos

Quarta, 20 Março 2013 12:38 nuno Opinião
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Mas move-se

Pode ser que seja um princípio.

Das cartas trocadas entre o PS, o PCP, o BE, a primeira impressão é a da tremenda desconfiança entre as três forças partidárias com origens de esquerda. O PS avança com uma abertura de contactos para apresentação das listas comuns nalgumas cidades, de modo a oporem-se às listas de coligação do PSD/CDS. O BE resmunga, já apresentara propostas anteriormente, agora era tarde. O PCP responde de forma mais dura, com as acusações conhecidas ao PS, como cúmplice da política de direita e comprometido com a da Comunidade Europeia em relação ao empobrecimento português.

Ante estas conversas de traições e famílias desavindas, com raízes nos desencontros ideológicos provenientes do século XIX e agravados na primeira metade do século XX, começam-se a desenhar, exteriores aos partidos políticos, novas propostas, que ultrapassam as rivalidades partidárias. Talvez também por isso PCP e BE aceitaram as reuniões, ainda que de forma condicionada.

Não sei se o PCP, O BE, dão conta de quanto menos influenciam e contam para os cidadãos, cansados de ver o seu quotidiano afundar-se, os seus vencimentos degradarem-se, os seus empregos desaparecerem, as suas famílias ameaçadas pela miséria, pela autodestruição, pelo cansaço dum quotidiano cada vez mais negro e um futuro sem nenhum raio de esperança. Os seus filiados, os seus funcionários, os seus quadros políticos, autarcas, deputados, sindicalistas, podem bem informá-los de como as sindicalizações retrogradaram, a influência nos locais de trabalho torna-se residual, as suas votações diminuem a cada acto eleitoral, as suas manifestações públicas perdem força e capacidade de mobilização. O povo está cansado de defensores que se defendem mais do que defendem. E não percebe que, numa tragédia como a que vive, não sejam capazes dum programa tripartidário de entendimento comum.

É triste, mas verdadeiro.

Não sei se, por outro lado, o PS consegue uma auto-reflexão que o torne, não um partido dúplice, como tem sido, associado ao capitalismo, à banca, ao empreendorismo, à corrupção, à especulação e enriquecimento ilícito, quando no poder e a outra face, assente na justiça, na equidade social, na solidariedade, na defesa da democracia e da liberdade, do progresso e da diminuição dos desequilíbrios sociais, quando na oposição.

O que é um facto indesmentível é que os três partidos, ao digladiarem-se publicamente, transformando-se em inimigos de estimação, abandonam o essencial, que é a defesa do que dizem ser a sua razão de existência, o povo espoliado, em lutas intestinas que só dão gozo aos financeiros e políticos conservadores.Não admira que tenham surgido, nos últimos anos, chamadas de atenção para a incapacidade partidária de dar respostas aos problemas da sociedade portuguesa.

Não admira que movimentos de figuras públicas conotadas com a esquerda democrática, mesmo saídos desses partidos, se declarem cada vez mais distantes dos seus projectos, reclamando outros objectivos e soluções para a vida política, como para a representação nos órgãos eleitorais, a todos os níveis. O Congresso das Alternativas, ou o mais recente, do Manifesto para a Democratização de Regime, do movimento que se lixe a troika, ou do MSE (Movimento dos Sem Emprego), são exemplos de grupos de intervenção social a ter em conta.

Defensor que sou, há muitos anos, duma mudança da legislação eleitoral que permita aos cidadãos, não só uma representatividade elegível fora das listas dos partidos, como uma votação nominal nos nomes das listas postas em disputa, vejo com muitos bons olhos este sacudir a canga partidocrática que o regime dito democrático nos foi impondo, a proveito de minorias instaladas nas direcções partidárias, essas sim seleccionando nomes e eleitos, a seu interesse e proveito, que a maioria dos eleitores nem conhece, mas em que vota por delegação da sigla do boletim de voto.

Seria bom, mas desde já duvido, que as reuniões dos partidos de esquerda, para discutirem possíveis projectos de unidade para listas autárquicas, pudessem vir a ser o início duma nova fase na vida eleitoral portuguesa, ainda que se saiba quanto os horroriza, não só a confissão dos seus erros, como a contrição dos abusos que cometem em nome dum povo que dizem defender, sem lhe darem voz, nem o escutarem. Os partidos políticos actuais confundem a realidade com a tonalidade dos óculos que usam. A democracia, a liberdade, a participação cidadã, são pílulas que, sem o seu controlo, sem o seu dirigismo, sem a sua orientação, lhes custam muito a engolir. Por isso as excomungam e, quanto o não podem fazer, as toleram.

Mas o que é um facto, é que, como cogitou Galileu, apesar da rectificação pública da sua heresia cosmológica, pela pressão inquisitorial do Vaticano, o mundo move-se.

Só que Galileu nunca conheceu Torres Novas…

 

 
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Actualizado em ( Quarta, 20 Março 2013 16:43 )