António Mário Lopes dos Santos

Quarta, 20 Março 2013 12:38 nuno Opinião
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O 25 de Abril e o cepticismo

 

Decidiu a direcção da Associação 25 de Abril renovar a não aceitação do convite da presidente da Assembleia da República para assistir à sessão solene comemorativa do 39º aniversário do 25 de Abril … por considerar que «a linha política seguida pelo actual poder político deixou de reflectir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril configurado na Constituição da República Portuguesa» e que «o poder político que actualmente governa Portugal configura um outro ciclo político que está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores. (O Publico, 20/4/2013)

 Confesso-me: deixei de participar nos almoços concelhios comemorativos do 25 de Abril, não por estes reflectirem o conteúdo do texto da Associação 25 de Abril, mas por uma razão fundamentalmente oposta: o monopólio da efeméride por forças políticas que não conseguem descobrir que a democracia, os democratas, os combatentes por ela, antes de Abril, não se confinam aos seus funcionários, militantes e simpatizantes. E deixei de o fazer com desgosto, mas por coerência com o conceito de unidade de esquerda por que me bato.

Defendo que entre o PCP, o Bloco de Esquerda, o PS, os cidadãos independentes que participam, de forma alternativa, noutros movimentos sociais, há muito se deveria ter assumido que o essencial é muito mais importante que o acessório, e que este, infelizmente, é o motor das actividades dos partidos de esquerda na vida política nacional. Muitos dos que hoje obedecem às regras partidocráticas sobre a comemoração da efeméride e nela participam, nasceram já em democracia e beberam esta nas conquistas para que muitos dos que se afastaram também decisivamente contribuíram, nos mais diversos lugares de trabalho: escolas, hospitais, bancos, lojas comerciais, escritórios, sindicatos, colectividades, trabalho cívico e voluntário, na imprensa, em livro, na intervenção pública. Não têm culpa da idade, já não tem desculpa a sobranceria e arrogância da superioridade da mentalidade. Não está em jogo uma efeméride, mas um modo de ser e estar na vida e o destino dum país. 

Comece-se pelo lugar. E as eleições autárquicas, com a parte mais substantiva dos candidatos à presidência conhecidos, coloca-me ante a trágica consciência do já visto. Henrique Reis (PSD), Pedro Ferreira (PS), Carlos Tomé (PCP), são nomes onde o musgo da política já não permite a primavera da novidade. Que projectos além dos que os seus partidos têm defendido, no poder e na oposição (não se ignore que a oposição é também uma forma de intervenção no poder)? 

Creio que o centro-direita, que o Henrique Reis representa, não tem grandes alternativas no mundo concelhio, depois das experiências fracassadas dos últimos anos, após a derrota de Arnaldo Santos por António Rodrigues. A governação da maioria PSD/CDS, com todo o assalto à bolsa dos portugueses, ao avolumar da pobreza, do desemprego, ao esvaziamento das conquistas sociais, como o hospital, centros de saúde, transportes, condições de vida, não lhe abre grandes perspectivas e não lhe conheço equipa capaz de retomar o poder camarário.

O PCP sabe que não vai além do que já fez. Oposição, nem sempre sistemática, com muitas abstenções e compromissos à mistura. O Carlos Tomé é duma seriedade indiscutível, mas falta-lhe carisma para ser alternativa presidencial. Fica por saber se, no programa que apresentar, surgirá uma vez mais (para ser cumprido e não só publicitado) a auditoria urgente que vinte anos de poder absoluto deveriam obrigatoriamente, pelo grau de endividamento, pelo preço das obras, pelas dívidas, pelas viagens, pelos compromissos, pelas despesas, pelos possíveis compadrios, ser efectuado, o que me parece dever ser a primeira medida a tomar por quem, que não o poder actual, quiser ganhar a Câmara. 

O PS, pelo caminho que as coisas seguem, tem um candidato que já vem de trás como vice-presidente, e assegura, em caso de vitória, a manutenção do estado de impermeabilização da gestão camarária dos últimos mandatos. Pedro Ferreira não é, felizmente, António Rodrigues. Vem duma linha de intervenção social e humanitária, desde os grupos sociais do pioneirismo católico ao voluntariado do CRIT. Mas não consegue apagar a suspeita de que é o penso que Rodrigues necessita para que não haja auditoria camarária à sua governação, que, por muito que se disfarce, por muito que se publicite, fizeram implodir Torres Novas nos sectores da saúde, educação, ambiente, associativismo, transportes, abandono das freguesias urbanas e rurais, a ponto de lhe destruir a própria entidade multissecular. A aposta nas médias e grandes superfícies, só por si, destruiu a estrutura económica concelhia, sem que financeiramente, a autarquia tenha ganho com isso. Um misto da filosofia pragmática de Sócrates e de Relvas, a nível local, colocou o concelho a um nível de endividamento que vai doer muito a pagar. Só por isso o PS deveria ser castigado, primeiro com uma auditoria, segundo com uma renovação total dos seus candidatos autárquicos, em nome da transparência, da clarificação, da credibilidade. 

Do CDS não sei, nem me preocupa. O PSD já contém todo o CDS que baste, desde o 25 de Novembro. 

O mesmo já não digo do Bloco de Esquerda, que me parece, conciliarmente, não conseguir passar da manutenção dalguns lugares numa futura Assembleia Municipal. Os caminhos, como acredito, à esquerda, passam por projectos comuns e só depois por nomes. 

O que está a acontecer é precisamente o que tem destruído a vitória da democracia progressista e social. É uma história longa. Já vem desde os inícios do século XIX, da divisão dos liberais, das suas guerras internas., das suas entregas do poder aos que se aproveitam do tamanho das ondas para surfarem para as máquinas dos fotógrafos e câmaras televisivas. Aos cidadãos tem-se oferecido sempre  lugares na assistência, muitas vezes com uma bandeirinha de apoio e uma promessa para depois do voto. Só que a cidadania está definitivamente cansada de ser representada por gente que não escolheu. Se fosse ouvida, talvez fossem outros os nomes, os projectos, os objectivos. Disso tem medo a partidocracia. Daí que se aliem, poder e oposição, para que tudo não mude senão no acessório.

Como escreveu lucidamente Boaventura de Sousa Santos, «as civilizações declinam quando as elites políticas que querem servir o povo não o podem fazer e as que se querem servir do povo têm o caminho livre».

A minha comemoração do 25 de Abril assenta nessa mudança essencial: a unidade da esquerda.

 

 

24 de Abril de 2013 

 
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Actualizado em ( Quinta, 25 Abril 2013 15:00 )