António Mário Lopes dos Santos

nuno Opinião
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Um campo de concentração alemão à beira-mar plantado?

As imagens televisivas de Merkel no campo de concentração de Dachau criam em mim uma sensação de profunda náusea. É preciso marcar os médias com marcas visíveis, porque as eleições se aproximam? Nunca, excepto pelo antigo presidente Horst Köhler, em 2010, um chefe de governo germânico se deslocou a Dachau. O acto é bem fotografado pelos técnicos de serviço, que mostram a primeira-dama alemã, constrangida, num pleno silêncio, frente a um muro penitencial, onde se encontra, na base, um ramo de flores. Uma visita no preciso momento em que se entra em período eleitoral. Em política vale tudo? Claro que em Dachau, campo criado em 1933, até 1945, dos cerca de 220 mil prisioneiros, 41 mil perderam a vida. Segundo os investigadores, mais de 400 foram submetidos a experiências médicas. É natural que a maioria dos torturadores que escaparam à condenação já morreu. Mas a ideia da superioridade da raça, não se continua a aplicar em relação ao mundo contemporâneo? O que significa ser a cabeça e o motor da Europa?

Estive uma única vez na Alemanha, em Dachau. Em 1974. A impressão que o campo me deixou foi a de como os alemães ignoraram conscientemente o que se passara nos campos de concentração, porque apoiaram e defenderam as teorias de superioridade racial de Hitler. Para quem viveu num regime ditatorial, compreende que a sua duração não dependeu só dos que o defendiam, mas também da resignação a que a sobrevivência obriga, quando as armas e a fé se colocam ao lado do poder. Percebe como é fácil manipular a cidadania, ser cúmplice pelo silêncio e a omissão, sob a vigilância policial contínua da bufaria. A Pide aprendeu com a Gestapo e aplicou aos que resistiam e lutavam por uma alternativa democrática, métodos similares. O campo de concentração do Tarrafal, Caxias, Peniche, exemplificam bem o lado negro da tranquilidade da vida do fascismo luso. 

Não me espantou nada como, para o povo alemão, foi fácil esquecer um milhão de vítimas judaicas, da destruição não só da vida, mas da humilhação sádica exercida sobre as vítimas, em nome da superioridade da raça. De como a sociedade alemã se reintegrou na democracia, no dia seguinte, ao fim da guerra. Não se culpa o justo pelo pecador, mas a verdade é que nas cervejarias de Munique (e não só) o neo-nazismo nunca deixou de existir. Não é estranho que, após a visita a Dachau, Merkel tenha participado num jantar comício numa das célebres cervejarias de Munique? Em busca do voto conservador, onde se esconde muito da mentalidade da superioridade alemã do pós –2ª Guerra Mundial, traumatizada pelas duas derrotas mundiais, e pela divisão do país em dois, após a vitória dos aliados? 

Nunca me senti bem na Alemanha, talvez por culpa minha. Ignorante da língua, senti-me sempre um estranho que lera Thomas Mann (A Montanha Mágica), Bertoldt Brecht, estudara Nietzsche, algum Marx. Ainda hoje, além do escritor Gunter Grass, dos variados livros sobre os campos de concentração existentes na Biblioteca Municipal concelhia lidos na adolescência e no início da idade adulta, confesso-me um muito desinteressado conhecedor da literatura, da arte e do cinema alemão, ainda que um fiel apaixonado da música dos seus grandes compositores. Da mentalidade alemã, guardo sempre as imagens que me ficaram dum dos grandes livros ultimamente escritos sobre a Alemanha Nazi: o romance As Benevolentes , do americano Jonathan Littell, publicado pelo D. Quixote em 2007. Sempre duvidei dum povo que trata a Europa do Sul como um sítio subalterno, a troco da agiotagem financeira, da exploração desmedida, da corrupção e da chantagem, buscam a mão-de-obra qualificada barata e defendem o subdesenvolvimento planificado como uma forma de exploração desenfreada. Portugal, a Grécia, são exemplos do Processo de Kafka. A culpa é existir-se, tem que se pagar o crime de se ser.

Daí que o regresso do Pontal na agenda do PSD me tenha recordado K., a personagem kafkiana, onde o ilimite da irracionalidade consciente dum grupo de neo-liberais – os netos dos salazaristas/marcelistas de ontem - conduz um povo à sua própria autodestruição. Depois do empobrecimento, da desumanização, da transformação do país num campo de concentração, as elites lavam as mãos como Pilatos e enchem os restaurantes e os hotéis de luxo, misturando-se por vezes com os desqualificados, ajudando-os nas filas para a sopa dos pobres, incentivando-os ao empreendorismo, para seguirem os exemplos dos Espírito Santo, dos Melos, dos Amorim, dos Francisco Manuel dos Santos, para não citar os novos ricos que, quais vampiros, se saciam do sangue alheio, na crise por eles provocada.

Veja-se o que perdeu a Alemanha, segundo a revista Der Spiegel, ao divulgar um relatório do respectivo Ministério das Finanças, com a sua solidariedade com a Europa: 600 milhões de euros. Contra um lucro de 41 mil milhões, gerado pela crise da dívida da Europa.

Não será Portugal um campo de concentração onde cada um de nós é K.?

 21 de Agosto de 2013 

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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt 

Actualizado em ( Quarta, 21 Agosto 2013 23:11 )