nuno Opinião
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Carta aos vereadores torrejanos


Leio na imprensa que, pelo vereador Carlos Tomé, foi levantado uma vez mais o problema do pagamento do prémio Maria Lamas de Ciências Sociais, ganho pela investigadora Inês Brasão. Curioso. Antes deste houve um Prémio Maria Lamas de poesia, que teve, pelo menos, três edições. Fiz parte dos respectivos júris, com membros da Associação Portuguesa de Escritores, além de figuras locais, como o arquitecto Jorge Marques de Abreu, o poeta José-Alberto Marques. Era na altura chefe do departamento cultural o Dr. João Carlos Lopes e foram concretizadas actas desses júris e respectivos autores premiados, que devem existir, ao que penso, nos arquivos da Câmara. Creio – já o escrevi outrora, diversas vezes, na imprensa concelhia – que só o prémio do primeiro ano foi atribuído. A razão da mudança da temática do prémio, desconheço-a, ainda que pense assentar nesses não pagamentos e a fuga para a frente, característica dessa gestão socialista. Estranho que o vereador Carlos Tomé, que o era da CDU já na altura, não levante também esse problema da falta de cumprimento camarário, anexando-o ao caso supra.

A poesia nunca foi bem aceite pela Câmara Municipal socialista, que a afastou das suas publicações editoriais. Porque os poetas, regra geral, não são facilmente moldáveis e defendem a sua independência em relação aos apetites do poder? Apostou-se na investigação histórica e no património, em detrimento da literatura e da arte, por razões também de influência familiar.

Mas, mesmo esse investimento no património histórico, cultural e social, tem muito que se lhe diga. E não se venha dizer que não há verbas para aquisições bibliotecárias ou museológicas, quando se aprovou não há muito a publicação dum auto-elogio do anterior presidente da Câmara, com uma verba que dava para adquirir para o Arquivo Histórico a digitalização total da imprensa concelhia existente na Biblioteca Nacional, assim como a maioria das obras literárias, culturais, poéticas, editadas durante um ano e que, infelizmente, não são adquiridas. E isso faz-me pensar e perguntar quanto é gasto em desperdício pelos vereadores a tempo inteiro: representações, almoços, telemóveis, viagens, ajudas de custo? Perguntei-o dezenas de vezes no passado, sem nenhuma resposta. Pergunto-o hoje, num início de mandato, com algumas medidas já polémicas, ante os gastos dos espectáculos do Virgínia, onde pode haver endividamento continuado e assumido pelo Município. E com os projectos das festas, feiras e Memórias da História para consumo popularucho a pesar na bolsa dos munícipes. 

Há décadas que escrevo sobre o Município, que debato o Património e a Cultura. Estou à vontade no que defendo, até que parte da minha obra de investigação tenho-a fornecido voluntariamente ao Município, para publicação, em livro ou na revista Nova Augusta. Lamento que um concelho tão rico no campo sociocultural não procure, como outros, readquirir o que lhe foi razão de ser. Não me refiro só à imprensa, que se recusou pagar, quando mil euros assumiam a requisição feita e que, vergonhosamente, se reenviou para a fonte - a Biblioteca Nacional. 

É lamentável que não haja um registo do que do Concelho de Torres Novas existe nas Bibliotecas e Arquivos Nacionais e, a partir daí, se não tenha um plano de médio prazo, para a digitalização desse admirável e enorme património documental. Quem não se preocupa com a memória dum povo num local, dificilmente poderá ser um vereador preocupado com o devir do concelho. 

 Dói-me percorrer as ruas do casco velho da antiga vila e muitas das aldeias do concelho, e defrontar-me, rua a rua, com casas esventradas, entaipadas, edifícios municipais ao abandono, fontes históricas destruídas por razões de desleixo, também de crime urbanístico. Vê-se, contraditoriamente, rotundas e separadores estupidamente engalanados, e arruamentos e limpeza dos espaços colectivos abandonados, como por exemplo, em redor dos prédios, na nova Avenida dos Negréus, sem o menor respeito pela higiene e salubridade públicas. Se isto é numa zona nova e considerada de expansão, que dizer do que rodeia a líquida toalha entaipada do rio Almonda, em todo o seu percurso, com excepção dos pequenos troços para consumo turístico da Avenida?

Um concelho degradado. Só o ignora, quem não vê, não ouve, não lê. Um dia escrevi: dêem-me a vila antiga, bem melhor que esta cidade superficialmente maquilhada, essencialmente em perda de identidade, a caminho de ser mais um dormitório da capital.

Mais recentemente, confessava a um amigo: nesta terra passa-se uma vida a ouvir do poder como resposta, não. 

É triste.

28 de Novembro de 2013 

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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt 

Actualizado em ( Quarta, 04 Dezembro 2013 17:05 )