André Lopes Opinião
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Mais um prego governamental no caixão dos reformados

A abertura do ano trouxe as novas ameaças do governo de Passos Coelho. A sua ficção preferida: transformar os inúteis reformados em cadáveres, de forma a fazer o jeito às medidas de austeridade que a senhora Merkel lhes exige. Novos impostos sobre o valor das reformas se apresentam, neste início de Janeiro, acolitados pelos aumentos do gás, da luz, dos combustíveis, das rendas, dos transportes públicos, das taxas moderadoras da saúde, do mais que se adivinha sobre os preços dos géneros alimentares. 

O objectivo essencial do governo assenta na diminuição do peso da população idosa, logo inútil, logo parasitária, que está a pôr em perigo os interesses dos Mira Amaral, dos Melos, dos Alexandres Soares dos Santos, dos Espíritos Santos, dos Mexias, dos Amorins, dos Belmiros, dos Motas, dos Jardins, desses e outros ultra-ricos que aumentaram as suas fortunas em Portugal à custa da exploração da miséria, saúde e sofrimento públicos. Restringir-lhe a capacidade de sobrevivência, conduzindo-a à morte por escassez de meios, reduz a população global e contribui também para a supressão de parte da população desempregada e dos seus descendentes, eliminando o seu peso sobre a educação e a saúde, permitindo-lhe a transferência para as escolas, hospitais, negócios privados, dos meios financeiros que se despendiam, a seu ver, e tão necessários eram às elites e suas redes de influência, de forma perdulária. Também aos seus descendentes, esses jovens licenciados, mestres e doutorados, a nata sociocultural do país, formada nas escolas e universidades públicas, o governo abre a dupla perspectiva dum emprego ao serviço da Europa desenvolvida, o aumento de capitais a partir das suas poupanças, libertando os empregos e cargos nacionais para os filhos de algo, saídos das escolas e universidades privadas. Não é misericordioso? 

Duma machadada, com o aumento do imposto sobre os rendimentos dos reformados, e o acréscimo da taxa da ADSE, de 2,5 para 3,5 por cento, procura-se atingir duma assentada três grupos frágeis: idosos, desempregados de longa duração, jovens desempregados em busca de emprego, do primeiro ou do outro. Como medidas punitivas são, até, na sua ideologia, cristãs, porque garantem uma consolaçãozinha, hipócrita, claro, mas que os medias visibilizam como solidariedade pública, a sopa dos pobres, um serviço de saúde cada vez mais degradado e uma escola pública transformada em viveiro experimental de futuros empreendedores (?) ou mão-de-obra barata para os seus negócios. 

Parasitas do erário público, destroem tudo o que não podem abocanhar, transferindo para o privado, não vá a concorrência do mérito ameaçar a incompetência cunhada dos Jotas dos partidos do que Paulo Portas chamou do arco da governação, eliminando de vez, porque a não aprovou, a Constituição que, como ministro, o responsabiliza. Mas para quem é IRREVOGÁVEL nas decisões, como este mestre de ilusionismo de salão, que até considerava não se poder ultrapassar o risco vermelho do limite (as reformas dos idosos), falar de dignidade é ignorar os sábios conselhos do jesuíta padre António Vieira no seu sermão de Santo António aos peixes. Pena que o Cardeal Patriarca português não consiga manifestar em público a coragem do Papa Francisco! Talvez este país fosse menos crucificado, em nome duma solidariedade enraizada na resignação e pobreza servil.

O que aí está, com a bênção do Sr. Cavaco Silva, cada vez mais autista em relação à realidade nacional e ao texto constitucional, é a continuidade duma política mais interessada em satisfazer os interesses financeiros internacionais, do que em resolver os problemas nacionais. Os portugueses deixaram de ser seres humanos para o poder político. Não são só os reformados, os desempregados, os jovens que estão a ser postos em causa. É o povo do próprio país que está à venda, a um preço cada vez mais irrisório, a troco dos actuais dirigentes serem os seus representantes de negócios. A realidade da agricultura, comércio e indústria, banca, serviços, educação, cultura, segurança, não coincide com a informação que dela circula, porque a independência e a liberdade da informação estão condicionadas pelo controlo dos proprietários dos respectivos órgãos, ao serviço dos partidos do poder e dos seus donos internacionais. O que a maioria dos media veicula é propaganda e publicidade, não é informação. Continuarei a denunciá-lo enquanto viver: este não é o país por que lutei durante quase sessenta anos de intervenção crítica, o país da liberdade, da democracia, da socialização, da responsabilidade, da cultura.

O sorriso, como notou um estudo universitário, desapareceu do rosto português. Para sempre?

5 de Janeiro de 2013 

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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt 

Actualizado em ( Quarta, 08 Janeiro 2014 12:43 )