André Lopes Opinião
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Portugal - Feira da Ladra dos Donos da Massa

Não sei se tiveram conhecimento da notícia em que se ficava a saber, por uma investigação da Universidade de Aveiro, da autoria de Patrícia Silva, que as nomeações para os cargos dirigentes na administração pública são influenciadas pelos partidos políticos. Baseiam-se em dois motivos: «o controlo das políticas públicas» e «a recompensa pelos serviços prestados anteriormente ou em antecipação aos mesmos». Nada disso é novidade, mas quando se demonstra através duma investigação científica, agrava o divórcio entre políticos e cidadãos. Por muito que se fale de selecções de quadros administrativos baseadas no mérito e na competência profissional, e desde o projecto de 1995 de António Guterres - no jobs for the boys -que a administração, a banca, as fundações, as empresas públicas, etc e tal, até 2009, data limite do estudo, das 11 mil nomeações investigadas a grande maioria serviu para «recompensar lealdades». Bem pode um cidadão exclamar: é um fartar, vilanagem.

Mas tal estudo não passa da parte emersa dum enorme icebergue de compadrio, que atinge todas as estruturas da vida do país. Repare-se nas Câmaras , nos contratos feitos ao longo dos anos, nas assessorias, nas chefias dos departamentos. As pessoas nomeadas são-no, de cima a baixo, em todos os sectores, para cumprir as decisões de quem domina o poder político (por sua vez já dominado pelos interesses do poder económico).

 A fidelidade é recompensada? Atente-se às conclusões do relatório: «as motivações de recompensa surgem associadas às posições intermédias e a posições nos gabinetes ministeriais ou nos serviços periféricos da administração pública, bem como a posições menos visíveis, mas igualmente atractivas do ponto de vista financeiro». É esta invisibilidade que favorece o controlo do poder, que a troco dos trinta dinheiros de judas fazem o serviço dos sátrapas do imperador persa Dario: «os olhos e ouvidos do rei» .

São estes que, no global, preenchem um corpo de polícia do pensamento especial, filhos e netos da democracia que juram partidariamente defender, por isso fora das crises do desemprego, da forçada emigração, das acções de despejo concretizadas muitas vezes por um familiar desses protegidos. Decerto que nenhum dos licenciados que ultimamente aumentaram o número dos sem abrigo é familiar desses políticos que nos (des)governam. Decerto que nenhum dos jovens licenciados e doutorados emigrantes são filhos dessa classe política que domina Portugal.

Ouvir um Paulo Portas falar francês num congresso espanhol, por ser uma das línguas possíveis de utilização, até torna digno François Holande que, nos EUA, num jantar em que era convidado de honra, se limitou a falar a sua língua natal. Há generalizado na mentalidade lusa um sentimento de frustração e de inveja, ante um mundo que pula e avança e que não passa para ela duma bola colorida pela imaginação. Daí o prazer de dobrar a cerviz ante o estrangeiro na própria pátria, falando-lhe a língua, a troco de algo que ele tem e gasta e que aqui, por mal distribuído, à maioria falta.

A mentalidade salazarista resistiu no essencial à democracia e, contraditoriamente, espalhou-se como uma epidemia nas camadas mais jovens, os filhos da liberdade que, hoje, sonham com políticas populistas que conduziriam, a prazo, a novos estados autoritários e a ditaduras de cariz fascista. Duvidam? Os três efes de Salazar reocuparam o espaço do pensamento crítico, a crença, a fé, a superstição, aliadas a um nacionalismo de emblema de casaco e de hino nas gestas dos magriços nos prélios futebolísticos, transformaram a esperança dum mundo menos desigual numa coisa sem eira nem beira - uma espécie de feira da ladra onde se compra e vende, sem rebuço, não o futuro dum país, mas tudo o que nele representava um caminho para a humanidade, no que ela significa de qualidade, de desenvolvimento, de respeito mútuo, pela diferença, pelo desigual, pelo outro, pelo ambiente, pelo planeta.

A própria língua cedeu a sua audácia criativa a uma pluralidade inexistente, como uma virgem violada num vão de escada, a troco duma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma, como escrevia num português bem decente Irene Lisboa. 

Enquanto não percebermos que somos nós as alavancas das mudanças, não haverá qualquer alternativa que impeça este roubo desmedido que toda uma sociedade aceita como um castigo imposto ao seu pecado de também querer partilhar uma vida mais digna. Os três efes salazaristas são os cães que guardam a quinta onde os ladrões se refugiam.

13 de Fevereiro de 2014 

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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt 

Actualizado em ( Quinta, 13 Fevereiro 2014 15:26 )