André Lopes Opinião
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No Dia do Pai, os gatunos proíbem-nos de ser pais

 Convencionou-se o dia 19 de Março como o Dia do Pai. Faz parte da adaptação do Calendário dos Santos da Igreja Católica pelo liberalismo capitalista saído das revoluções dos séculos XVIII e XIX, em que os regimes constitucionais substituíram, lenta mas de forma decisiva, as monarquias absolutas por direito divino, e as três ordens em que a sociedade estava dividida desde o período feudal, clero, nobreza e povo, por um conceito, teórico claro, de igualdade cidadã, inscrita, desde a revolução Francesa, na Carta de Princípios das Monarquias Constitucionais e futuras Repúblicas. 

Junta a mais duas palavras generosas, Liberdade e Fraternidade, tão perseguidas e mutiladas em nome do rei dinheiro ou do conservadorismo beato do catolicismo novecentista, viram não só a expansão da burguesia comercial, industrial e financeira, como a criação duma classe operária que teve de lutar duramente contra aqueles pela conquista de direitos essenciais: horários de trabalho, salários dignos, legislação laboral, direito à educação, à saúde, à habitação. 

Uma pequena e média burguesias, crescentes com a burocratização do estado e a economia de mercado, de mentalidade predominantemente conservadora e estruturada em princípios de individualismo e estabilidade social e económica, vão ser o fiel da balança entre capital e trabalho. Daí que os calendários e os seus dias sejam reveladores desta forma de exploração dos afectos, por meio de dias seleccionados como efemérides dos desejos e sonhos dos melhores dos mundos.

 O dia do Pai foi, assim, mais um dia do calendário disto e daquilo, com que os organismos do poder económico e político internacionais vão preenchendo, a seu interesse, o calendário gregoriano a que ainda estamos submetidos no mundo cristão e ocidental. Aliado ao desenvolvimento e potencial militar, monopolista, financeiro, domina a autonomia dos outros calendários, como o inglês, devido à hegemonia dos EUA, se tornou a partir da segunda metade do século XX na língua obrigatória do poder do mundo desenvolvido contra o subjugado. 

Dia de efeméride, na prática, publicidade garantida para promover, através do consumismo e do lucro das forças dos mercados, a exploração da emotividade fraterna das sociedades humanas do planeta. 

Mas o dia do pai, a 19 de Março, calha no dia em que são depositadas reformas dos pais e mães que vêem os seus filhos a calcorrear uma vez mais o ciclo da subalternidade que é a emigração em busca da sobrevivência, que secularmente, a pátria, desde a febre dos descobrimentos, lhes recusou. Não as reformas iniciais, mas o que, em nome da solidariedade, lhes é roubado por um governo ao serviço da senhora Merkl para pagar os juros dos empréstimos da banca alemã e outros beneficiários do sistema, como os administradores do BCP, do BPN, do BPP, cujas vigarices prescrevem pela desatenção legalizada (quem faz as leis, cumpre-as?) do Banco de Portugal e da Magistratura Portuguesa, numa prova provada de que a Justiça portuguesa não é cega, nem justa, mas parcial e ao serviço. Basta ver quantos corruptos políticos estão presos, quantos banqueiros, que destroem gerações em nome do lucro, estão atrás das grades, para se não ignorar que há uma justiça para ricos e outra para pobres. 

Reformas, afinal, de pais e mães a caminho de crescente empobrecimento, no fim de carreiras onde lutaram por uma sociedade mais digna, fragilizados no desejo de ajuda aos próprios filhos, desempregados, ou na emigração, já que o governo de Passos Coelho/ Paulo Portas preferiu abrir-lhes o caminho para a miséria e os cemitérios, optando pela alternativa para pagar aos novos colonizadores europeus.

Ao receber a mensagem das minhas duas filhas de feliz dia do pai tentava escrever a minha crónica para o jornal, enquanto assistia ao debate quinzenal com o primeiro-ministro, no Parlamento. Nauseiam-me as palavras da diplomacia hipócrita com que a direita fala de Medeiros Ferreira, como se não fosse a herdeira e defensora dos que o prenderam, torturaram e exilaram, antes do 25 de Abril. Como se não fossem os defensores duma sociedade onde minorias se privilegiam à custa da exploração das maiorias. Enoja-me a subserviência governamental duma maioria ao poder colonial do pangermanismo. 

 O meu avô, barbeiro, republicano, pai de numerosa família, cuja riqueza sempre foi a vida difícil da dignidade cívica e a solidariedade para com os outros, ensinou-me, na infância, quando me passeava na Praça 5 de Outubro: ninguém enriquece de forma honesta. Mas a pobreza é resultante da ganância de minorias, disfarcem-se elas com o fato que usarem. A luta pela dignidade humana é urgente todos os dias.

Quando cresci, percebi o sentido das suas palavras. Hoje, frente a estes bem instalados da Assembleia da República, só tenho uma solução: fechar a televisão.

O dia de pai que me prometem é, neste 19 de Março, mais um dia dos gatunos de parte do resultado do esforço de décadas, de minha mulher e meu.

13 de Março de 2014 

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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt 

Actualizado em ( Quinta, 20 Março 2014 10:47 )