Opinião
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Um ano depois, Pedro Ferreira

Reconheço, antes de mais, que algo mudou. A arrogância, o desprezo democrático, o autoritarismo, o revanchismo, do antigo presidente, cederam lugar à prudência, ao reconhecimento das dificuldades, à necessidade de reflexão colectiva sobre o futuro da comunidade torrejana. Mas falta, nesta primeira entrevista de reanálise do trabalho feito, uma explicação clara: como se chegou, em 2012, com parte importante das obras paradas, a uma dívida de 35 milhões e 700 mil euros? E dívidas, decerto, de curto, médio e longo prazo? Nunca vi na imprensa concelhia, em qualquer entrevista pública, a descriminação dessa dívida. Quem são os credores e quanto por credor? Aqui deixo uma questão que desejaria ver publicamente respondida pelo actual presidente da autarquia.

A dívida já, em 2014, diminuiu para 27 milhões. E a preocupação - não foi por acaso que como presidente da Câmara não entreguei o pelouro das finanças a nenhum vereador - da poupança, lê-se nas linhas das respostas da entrevista. Mas as explicações são demasiado genéricas, frases de vento. Porque a verdade á que esse pelouro era o seu, há vinte anos. E isso tem de ser assumido, com as responsabilidades inerentes.

Mas não deixaram de se concluir obras, como a Visconde de S. Gião, a primeira pedra de Manuel de Figueiredo, a obra do mercado do Peixe e a continuação da da garagem Claras. Fundos comunitários, pagos a peso de ouro aos emprestadores europeus, à Alemanha no fundamental. Mas há um silêncio profundo sobre a recuperação da Escola Secundária Maria Lamas, cuja história de tentativa de amesquinhamento e destruição está para ser contada no futuro, ou do PDM, que seria bom não varrer para debaixo do tapete, como se tentou fazer com a obra do Convento do Carmo, agora mais um berbicacho com múltiplas despesas que os contribuintes municipais irão - e não só - pagar. 

Ou à destruição do comércio tradicional, com a implantação dum sem número de superfícies comerciais, que muito poucos impostos pagam localmente, mas sempre foram cabeça de cartaz da propaganda da Câmaras socialistas dos últimos 20 anos. Ou ao esvaziamento do concelho nos sectores da saúde, das escolas, dos transportes públicos, dos correios, do pequeno e médio comércio urbano, a troco de lojas encerradas, ruínas, casas abandonadas, emigração e envelhecimento demográfico.

 Se, por lei, os políticos fossem obrigados a pagarem os prejuízos que fazem com as propostas que defendem e aprovam e que são recusadas, porque ferem a legalidade do direito constitucional, talvez não tivesse havido lugar para a Turriespaços, nem para outras leviandades que nos afectaram como cidadãos e munícipes, e os responsáveis pelo irregular teriam de prestar contas do seu próprio bolso. Infelizmente, Portugal está cheio de empreendoristas tipo família Espírito Santo, que de Norte a Sul do País, usaram os fundos comunitários conforme lhes deu na gana, sem que haja uma prestação de contas, um julgamento que não prescreva, uma cadeia que não seja só para a marginalidade. 

A Câmara tem tido experiências com empresas que começaram obras e que depois não as conseguiram concluir, leio na entrevista, mas não se explica como essas empresas ganharam os concursos - porque houve concursos e regras para os mesmos, não é verdade? Se correu mal, de quem a culpa? Minha?

Mas, nem tudo é reticente, preocupante. O Orçamento de 2015 traz novidades. Um deles a ARU - Área de Reabilitação Urbana, para recuperação do Centro Histórico. Vêem-me à memória as quatro antigas freguesias semi-urbanas da vila: S. Pedro, Salvador, Santa Maria, Santiago, o tecido estrutural cheio de feridas, muitas delas gangrenadas, sem população jovem, sem comércio, sem zonas verdes, sem espaços de lazer, de cultura, de artes. O associativismo está como as sedes partidárias, entregues a poucos, com nenhuma força, além da carolice de minorias. 

Um centro só vive se for humanizado, se tiver crianças, se tiver fregueses em lojas, moradores em casas, fregueses em cafés e restaurantes, leitores em livrarias. A vida dum centro urbano não pode ser transformada no deserto diário e no tumulto nocturnos das discotecas. Como as bibliotecas não progridem sem aquisições de livros, os arquivos sem a documentação histórica que lhe traçou o rosto a que hoje chegou. Mas as escolas desapareceram, os serviços públicos desde a saúde, finanças, os bancos vão desaparecendo, o centro transformou-se num depósito de automóveis incompatível com o que se entende por recuperação, história, tempo. 

Quanto ao projecto urbano, na Várzea dos Mesiões, é um exemplo da incongruência política autárquica, que mais uma vez transforma uma zona protegida agrícola, junto do rio, numa zona de fruição, com prejuízo para o centro histórico, a linha de continuidade do Almonda, dentro do centro urbano, entre as Lapas e a Várzea. Talvez a comparação seja a Barquinha, ou Constância, mas O Almonda não é o Tejo. Há coisas muito mais importantes na reabilitação, que é encher a médio prazo de vida o que, por inconsciência e más políticas se desertificou, ou foi ajudando a desertificar. 

E reparo que não há uma única palavra para o sector da Cultura, já que a Câmara municipalizou a Cultura, sem autonomia para os seus escritores, os seus artistas, os seus investigadores, os seus criadores. Espero que se mantenha a Nova Augusta, como os programas do Virgínia, mas não se pode ter duas medidas e dois pesos - nuns, pagam-se os espectáculos; noutros, nem se agradece o trabalho, nem se promove a sua divulgação. Como colaborador voluntário de dezenas de anos, creio que posso não compreender, nem aceitar, os gastos da fraude histórica das Memórias da História e não haja 1.000 euros para se enriquecer o arquivo municipal com a imprensa torrejana do século XIX dispersa por Lisboa e Coimbra. Ou não haja uma verba na cultura para a divulgação dos seus escritores e artistas e haja ajudas de custo para Cabo Verde e Timor O prémio de poesia Maria Lamas foi uma vergonha que, no passado,, enodoou a câmara socialista. Ainda hoje, a política cultural camarária é filtrada pelo crivo do aplauso. A Cultura de Salazar passava pelo SNI de António Ferro. A cultura camarária socialista é definida como e por quem?

 Considero importante a criação dum Conselho Económico e Social, para discutir com a Câmara os seus problemas, projectos. Qualquer comissão onde o outro tenha voz é positiva. Mas há uma experiência muito negativa de comissões nestes vinte anos. E hoje, a liberdade crítica de muitos dirigentes não passa de genuflexão e servilismo.

Concluindo, a entrevista revela o desejo de Pedro Ferreira de dialogar, o que não deixa de ser positivo. Mas se pensarmos no que se pode decidir na Assembleia Municipal, sob a batuta do ex-presidente, e da tentativa de se desculpar o indesculpável - o facciosismo que origina a indisciplina partidária, deixa-nos muita reserva e desconfiança É que só faltam três anos para a vingança do regresso…

5 de Outubro de 2014
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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt

Actualizado em ( Terça, 07 Outubro 2014 13:52 )