António Mário Lopes dos Santos

Quinta, 12 Fevereiro 2015 09:38 Opinião
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Gostava de saber que país é o meu

Leio a entrevista da Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal e estarreço: «Há uma rede que utiliza o aparelho de Estado e da Administração pública para concretizar actos ilícitos, muitos na área da corrupção». Que rede? Quem é quem? A liberdade de informação não passa onde a justiça deixa prescrever situações, «porque há acusações com meses à espera de serem notificadas às partes». Que acusações, quem não notiifica, porque não se denuncia? Vem o caso dos submarinos à baila, que, na sua opinião «é daqueles que dará uma imagem não muito simpática do Ministério Público, mas também dos órgãos de polícia criminal, peritos e outros órgãos». Que relação têm estas declarações com as conclusões do relatório da inspecção ao DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal que, segundo os jornalistas Pedro Sales Dias e Mariana Oliveira, de O Público «revelou uma profunda desorganização no funcionamento daquela estrutura, polícias recrutados por amizade, gastos avultados, uma distribuição dos inquéritos sem qualquer critério e atrasos que chegam a 10 anos na tramitação dos processos de prevenção e branqueamento de capitais.», como escreveram na última terça-feira, 24 de Fevereiro. Se de facto é, como dizem os inspectores, que «não conseguiram descortinar um critério entendível que tenha presidido a escolha dos funcionários e dos órgãos da polícia criminal para desempenhar as funções do DCIAP, a não ser o que assentava no conhecimento pessoal e na amizade entre os elementos que já se encontrassem a trabalhar no DCIAP», o problema está a montante, no ministério político que não actua ante o descontrolo, não por acaso, provocado. Quem nomeia quem, permitindo, pior, promovendo o compadrio? Que dignidade existe nas listas de boys e girls que preenchem como assessores tudo quanto é gabinete ministerial, secretaria do Estado, directores de departamentos? Que escola portuguesa criou este género de parasitismo, em que basta o cartão de militante duma jota ou do partido para se conseguir um cargo, desde assessor do assessor do ajudante do secretário de Estado, ou um lugar de polícia das polícias secretas, que faz escutas ilegais e abusa de procedimentos inconstitucionais em relação ao controlo da vida dos cidadãos?

O silêncio da Procuradora Geral da República não passa pelo que se conhece e se cala sobre a corrupção, o abuso de poder, o crescendo de autoritarismo na sociedade portuguesa, associado à militarização das suas polícias cívicas, para controlo das manifestações do desconforto público? A rede começa onde e acaba em quem? Ou, como há muito se suspeita, é um processo tipo Dona Branca que se foi desenvolvendo na sociedade portuguesa, agravado a partir da adesão à Comunidade Europeia e com a distribuição dos fundos comunitários por tudo quanto o poder político queria proteger, para se proteger e enriquecer a si mesmo , e não só, eleitoralmente?

Há muito que se desconfia de que quem faz as leis neste país, quem as aprova e assina, não as cumpre minimamente. Os casos do BPN, do BCP, do BPP, o mais recente do BES, o dos submarinos, dos Vistos Gold, são exemplos flagrantes de que as leis são redigidas de modo a que os redactores e quem os instrumentaliza não sejam atingidos pelo ricochete da eficácia da legislação aprovada. São como as rédeas do cavalo, que o subjugam e o tornam fiel a quem o monta. Não se estranha por isso que a ministra das finanças venha dizer que não disse o que o jornal alemão Die Welt diz que disse. Recorde-se o artigo de opinião da deputada socialista Elisa Ferreira, no mesmo jornal publicado no último domingo, «é chocante ver a ministra das finanças a ser passeada pela Alemanha enquanto prova de que a austeridade funcionou porque o custo da dívida baixou, apesar de tal se ter ficado a dever a Mario Draghi, presidente do Banco central Europeu - e que a recessão e o desemprego não contam». 

Que país é este, que se tornou tão estranho para o seu próprio povo? Um país que regressa a um passado de pobreza e de medo, de emprego precário, de insegurança social crescente, de emigração sem retorno? Frei Bento Domingues, na sua crónica desse citado domingo, «Mudar radicalmente a religião?», defende a importância do papa Francisco como um reformador profundo duma Igreja cuja hierarquia não deseja essa reforma. E acredita que essa mudança, ainda que difícil, é possível. 

Parafraseando-o, mudar radicalmente este país, talvez seja muito difícil, com tanta gente a travar a corda do destino, a dividir pataca a mim pataca a ti o que é o sangue, o suor e as lágrimas desta grei, mas é o único caminho para o respeito democrático pela dignidade da pessoa humana. Se não se pode ter um Syrisa ou um Podemos, com a prata da casa tradicional também se não vai muito longe. E o triste é isso. Falta-nos um reformador em que se acredite ou é a nossa cegueira que o não quer ver no que podemos fazer? 

26 de Fevereiro de 2015
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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt

Actualizado em ( Quinta, 26 Fevereiro 2015 10:33 )