Carlos Paula Simões

Quarta, 08 Abril 2015 09:39 Opinião
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Venenos pela porta dentro


A quantidade de produtos tóxicos que nos rodeiam no dia-a-dia é alucinante. Todos os dias o comum cidadão europeu respira e ingere um verdadeiro cocktail de substâncias complexas, produzidas e comercializadas pelas maiores corporações mundiais, desenvolvidas alegadamente para fazerem frente à necessidade de aumentar a produção alimentar de um planeta que alojará dentro de pouco mais de 30 anos aproximadamente 10 mil milhões de pessoas, muito acima dos cerca de 7 mil milhões actuais.

Para produzir essa comida, entrámos num círculo vicioso alucinante de atentados ao equilíbrio natural, onde pontificam as culturas geneticamente modificadas e os pesticidas especificamente criados para estas.

Um efeito perverso desse círculo vicioso, deriva da forma que a natureza encontra sempre de ultrapassar obstáculos: a adaptação. E o que se tem assistido desde a década de 70 do século passado, é ao aparecimento de estirpes de pestes resistentes, super-insectos e super-ervas daninhas, a que se seguem o desenvolvimento e a aplicação de novos “super-pesticidas”. A resistência a pesticidas é um dos principais desafios para a produção agrícola, para a saúde humana, e já foi registada para praticamente todos os grupos de pesticidas.

Por muito que nos digam que não é forçoso que a sua utilização seja perigosa, o facto é que os pesticidas muitas vezes são massivamente utilizados sem que haja a noção das suas consequências sobre o ambiente e sobre a saúde humana a longo prazo, ou até mesmo a médio prazo. Cancro, esterilidade e envenenamento são apenas alguns dos efeitos indesejados provocados pelos resíduos de pesticidas que ficam nos produtos hortofrutícolas. Além destas consequências para a saúde humana, os pesticidas provocam a contaminação dos recursos hídricos, a morte de peixes nos rios, acabam por chegar às torneiras dos consumidores e acumulam-se ao longo da cadeia alimentar. Omnívoros que somos, no topo da cadeia alimentar, acumulamos mais pesticidas no nosso organismo do que os animais herbívoros de que nos alimentamos. 

Contesta-se a fiabilidade dos métodos que avaliam a toxicidade dos pesticidas, em particular os efeitos de exposição acumulada e duradoura a estas substâncias. Questões importantes permanecem sem resposta sobre os riscos potenciais de contaminação dos seres humanos, e do meio ambiente, por pesticidas. Hoje em dia existem normas e orientações disponíveis apenas para um número limitado de produtos e não para as misturas de pesticidas ou para os produtos de degradação destes. 

No passado mês de Março, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar anunciou que quase metade dos alimentos consumidos na Europa apresentam resíduos de pesticidas, apesar de a maioria estar dentro dos limites legais e provavelmente sem efeitos na saúde. Provavelmente. Porque o que ontem nos foi vendido como perfeitamente seguro, pode muito bem amanhã ser declarado como absolutamente mortal. 

Não se pense que apenas a agricultura contribui para a nossa exposição a estes produtos tóxicos. Os pesticidas encontrados nos principais rios e aquíferos reflectem contribuições quer de áreas agrícolas, quer de áreas urbanas e, neste último caso, sobretudo insecticidas e herbicidas.

É por isso importante que a gestão de pestes no espaço urbano seja também ela sustentável, no sentido de impedir a pressão selectiva que leva ao aparecimento de espécies resistentes, evitar a contaminação de solos e água e, finalmente, mas não menos importante, preservar a saúde presente e futura de quem vive nesse espaço.

É óbvio que os fabricantes dos pesticidas incentivam a sua utilização em detrimento de métodos alternativos. E se na exploração agrícola tais métodos podem ser mais custosos de implementar, nas nossas autarquias é uma questão de vontade. Vontade de optar pelo que poderá a curto prazo parecer mais difícil, mas a longo prazo poderá vir a fazer toda a diferença na qualidade de vida dos habitantes das nossas cidades, vilas e aldeias. A restrição voluntária da utilização de pesticidas nas áreas urbanas é uma das expressões dessa vontade.

Deixo aqui o apelo aos nossos autarcas para que se mantenham atentos e actualizados no que diz respeito aos produtos tóxicos usados pelos seus serviços de controlo de pestes e que procurem alternativas à utilização desses produtos. Como disse atrás, o que ontem era seguro, pode ser hoje fatal. Veja-se o herbicida glifosato, largamente utilizado pelos nossos serviços municipais para controlo de ervas daninhas: há menos de um mês a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Cancro, que integra a Organização Mundial de Saúde, referiu que o glifosato foi encontrado no ar, na água e nos alimentos, que a população em geral está particularmente exposta quando vive próximo de áreas tratadas e que a exposição a este herbicida pode provocar o aparecimento de linfomas ou cancros no sangue.

Os nossos autarcas devem ter em conta esta nova realidade e devem, por sua própria iniciativa, fazer o que se exige: banir a aplicação deste produto, entre outros. Mesmo que isso lhes saia mais caro: a saúde não tem preço. Tenham a coragem de sacudir o comodismo e, de caminho, a opressão das multinacionais dos venenos.

Actualizado em ( Quarta, 08 Abril 2015 10:21 )