Quarta, 24 Novembro 2010 15:40 Opinião
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S. Martinho by night

Sob a invocação de S. Martinho, e já envolta nas brumas do Outono, a vila da Golegã é o destino preferencial de todos os marialvas, alguns de raiz, outros emergentes, todos eles novos-ricos a quem a fortuna ainda não conferiu estatuto.
São os parvenus deste país mal frequentado, ostentando a sua olímpica indiferença ante a crise que se abateu sobre nós. Não deixam, todavia, de conferir algum pitoresco ao vaivém do corso que desfila, horas e horas a fio, na manga da feira.
Entretanto, o Sr. Júlio Isidro, acolitado por duas assistentes, à frente duma aparatosa embaixada da RTP, vai debitando, em directo pela TV, a sua versão light da feira.
Tudo sob o alto patrocínio do Santo que, segundo se sabe, abominava castanhas assadas e, em matéria de água-pé, era asceticamente abstémio. De comum apenas a circunstância de cavalgar um velho baio, mal nutrido, do tempo em que se alistou nas legiões de Roma.
A feira revela, todavia, uma outra vertente, a nocturna, que a tradição está longe de legitimar; assim, e do mesmo modo que Lloret del Mar, atrai milhares de jovens que, em hordas numerosas, vêm esconjurar o tédio que os habita, nas inumeráveis baiucas estabelecidas na vila.
Fornicam, defecam, vomitam.
Um happening rasca, ao ar livre, que permite, desde logo, uma evocação do filme rodado em 1973 sob a direcção de Marco Ferreri: A Grande Farra. No elenco figuravam Marcello Mastroiani, Hugo Tognazzi, Michel Picoli e Philippe Noiret. E Andrea Ferreol, opulenta, exuberante e sem preconceitos, consentindo nas arremetidas lúbricas de Hugo e Marcelo.
Deliberadamente abjecto e repulsivo, o filme retrata uma festa íntima de quatro figurões, todos bem colocados na vida, que decidem passar um fim de semana, em conjunto, num quadro vivo de incontinência, promiscuidade e lascívia.
O filme, porém, está longe de poder admitir qualquer paralelo com os acontecimentos das noites de S. Martinho.
Ademais, exibido no recato duma sala de cinema, tem a duração de duas horas, sendo que os acontecimentos, aliás, turbulentos, das noites de S. Martinho perduram por dez dias.

Farinha Marques

 

Actualizado em ( Quinta, 23 Dezembro 2010 10:26 )