Quinta, 09 Dezembro 2010 15:00 Opinião
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Um baú chamado memória

Era homem, chefe de família. Na verdade, podia ser um qualquer adulto…
Chegado o Natal, era tempo de fazer o gesto habitual desta época. Fechava os olhos e respirava por alguns segundos.
Nesse instante abria o baú das recordações. Limpava a poeira das imagens, aclarava os cheiros e optimizava os sabores.
Juntava as letras dos nomes daquelas pessoas que o marcaram, mais ou menos, para o bem e para o mal, e com quem passara tantas horas. Algumas dessas pessoas já teriam falecido e outras tantas eram velhinhas. Poucos não teriam casado e constituído família, também. A maioria teria seguido os passos considerados habituais: casamento, filhos, alguns até netos.
Nesse baú chamado memória não existiam sorrisos para as fotos nem segundas oportunidades para focar bem a máquina. Tudo era natural, como se de uma máquina antiga se tratasse. E tratava-se mesmo ou, no mínimo, funcionava de forma semelhante! Esta não escolhia altura nem estado de espírito para disparar. E quantas vezes o fazia sem flash… Neste baú procurava a época de criança, que guardava num lugar especial chamado coração. Foi uma época nem sempre fácil, mas ainda assim a sua, e orgulhava-se bastante disso.
Recordava a primeira vez que tinha andado de bicicleta, as quedas, as subidas às árvores, os brinquedos que fazia com latas e carrinhos de linhas, as bolas feitas de meias e areia, a rebeldia, o não querer saber de nada, as reguadas da professora por não saber a lição… Recordava-se até dos sapatos maltrapilhos, dos calções pelo joelho que sempre fora obrigado a vestir, e daquela camisa de lençol, típica dos domingos… Até isso lhe trazia saudade. Ou talvez nostalgia seja um termo mais sensato.
Recordava o sorriso genuíno e inocente de criança.
E então pensava, com aquele ar de quem já viveu muito, abanando ligeiramente a cabeça em tom afirmativo e tranquilo “como fui feliz…”
Era esta a magia que o Natal lhe trazia: a de saber que o presente não era fácil e que o futuro se adivinhava trabalhoso, mas que, apesar disso, iria olhar-se no seu espelho interior e pensar que tudo, mas tudo, tinha valido a pena!

Mária Pombo

Actualizado em ( Segunda, 13 Dezembro 2010 16:00 )