Quarta, 23 Fevereiro 2011 18:08 Opinião
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Justiça & Revolução

 

Responsabilidade do Estado por actos políticos e legislativos.
Em 1993 Simão Botelho intentou pelo Tribunal Cível de Lisboa acção contra o Estado Português, pedindo
- se declarasse que ele, Autor, era titular de um direito a uma justa indemnização;
- se declarasse o Réu, o Estado Português, responsável pelo pagamento daquela indemnização;
- se condenasse o Réu a pagar a justa indemnização e os prejuízos decorrentes do seu não pagamento oportuno, em montantes a fixar oportunamente em acção de liquidação daqueles montantes.
O Autor fundou o seu pedido em actos do Estado, praticados através do Ministério do Trabalho, materializados em diplomas legislativos e na emissão de credenciais a legitimar a acção da comissão de trabalhadores da firma Porcas & Parafusos, Limitada.
Alegou o Autor que, em 1975, era titular de 75% do capital social de Porcas & Parafusos, Lda., situação que se mantinha à data da entrada da acção em juízo.
Em 11/06/75 os trabalhadores deliberaram, contra a vontade dos gerentes, o afastamento da gerência e a entrada imediata da gestão dos trabalhadores, tendo, para o efeito, sido constituída uma comissão e, ainda, sido decidido o congelamento dos bens dos sócios.
Em 11/06/1975 a empresa entrou em "auto gestão de facto" sendo que o Estado, através do Ministério do Trabalho, sancionou tal gestão através da emissão de uma credencial para gestão da sociedade que entregou à comissão de trabalhadores, gestão esta que se revelou desastrosa, degradando progressivamente a empresa.
Nenhum diploma legal ou regulamentar permitia ou autorizava o Estado a sancionar a actuação do colectivo de trabalhadores, pois a situação de "auto gestão" só veio a ser prevista e regulamentada legalmente com os Decretos-Leis 821/76 e 185/78 e Leis 66/78 e 68/78.
Assim, a gestão do colectivo de trabalhadores tornou-se supervenientemente legitimada e "intocável" porque foram publicados os diplomas supra referidos, mas a tutela do Governo aí prevista, através do Instituto Nacional de Empresas em Auto-Gestão (INEA) nunca veio a ter lugar, considerando que tal Instituto nunca foi "instalado".
A empresa veio a ser encerrada em 31/07/1986, por iniciativa do próprio colectivo de trabalhadores, data em que a dita comissão entregou a empresa aos sócios.
Aquando da devolução da empresa aos sócios, a mesma encontrava-se em tal estado de degradação que estes se viram impossibilitados de reiniciar a actividade da mesma.
O Réu, Estado Português, ao não ter indemnizado o Autor pelos danos resultantes daquela violação, põe em causa o direito, constitucionalmente consagrado, da justa indemnização, outrotanto o fazendo ao não ter fixado critérios necessários ao pagamento de tais indemnizações no que respeita a empresas "intervencionadas" mas não nacionalizadas.
Esta a argumentação de Porcas & Parafusos.
O juíz da causa, no entanto, julgou o tribunal cível incompetente para a acção e competente o tribunal administrativo, dizendo que o facto gerador da responsabilidade civil do Réu é um acto de gestão pública praticado pelo Estado através de um dos seus órgãos.
Ora o Autor Simão Botelho fundamentou o seu pedido não em actos de natureza administrativa, mas sim em actos de natureza puramente política e omissões decorrentes do exercício da função legislativa.
Assim sendo, o Tribunal da Relação de Lisboa, aonde o processo subiu, em via de recurso, considerou que estava excluída a competência dos tribunais administrativos para conhecer da presente acção.
Logo, o tribunal competente para a acção, ao contrário do decidido pelo tribunal de primeira instância, não é o tribunal administrativo, mas sim o tribunal cível.
Assim, e em conformidade com o exposto, decidiu fixar a competência para decidir a acção no tribunal cível da comarca de Lisboa, dando, pois, razão ao Autor.
E porque o problema em apreço tem, exclusivamente, a ver com a definição da competência para decidir a questão proposta em juízo pelo Autor, o processo, voltará a correr os seus trâmites pelo tribunal cível de Lisboa, para apreciação e decisão.
Os factos que serviram de fundamento à acção tiveram lugar em 1975.
Para o demandante que, estoicamente, se aventurou nesta maratona, augurámos, na circunstância, e porque haviam já transcorrido mais de 25 anos sobre a data dos factos levados a juízo, uma longa vida e muita paciência.


P.S. Os nomes são supostos, obviamente; não os factos.
O autor da presente crónica segue a antiga ortografia.

 

Farinha Marques

Actualizado em ( Quinta, 24 Fevereiro 2011 14:14 )