António Mário Lopes dos Santos

Quarta, 03 Agosto 2011 15:26 Opinião
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Tudo muda: as mentalidades, as leis – até o território

 

 

Era bom poder desenhar a escrita do tempo


Numa época em que o poder político coloca, com insistência, em cima da mesa, a reforma do sistema administrativo português, seria bom no debate, mesmo a nível local, já iniciado , se deixasse de lado o partidarismo eleitoralista e se procurasse uma reflexão da importância das freguesias no tecido concelhio torrejano, na sua dupla dimensão rural e semi-urbana (nenhuma das freguesias da cidade são classificáveis de urbanas).
1 – A primeira constatação é que, das 17 freguesias actualmente existentes, a sua fundação varia, desde o século XII ao século XXI. Se até ao segundo quartel do século XVI, a documentação conhecida aponta para quatro freguesias semi-urbanas na vila (S. Tiago, S. Pedro, S. Maria e S. Salvador), e três nas zonas rurais, as de Santa Maria da Serra (antiga do Alqueidão, depois do Pedrógão), de Lapas e da Ribeira, todas as demais se confinando, mesmo com igreja definida e confraria religiosa-solidária estruturada, às igrejas paroquiais da vila.  No século XVII já se encontra o registo de novas freguesias, respeitando a reforma administrativa iniciadas com D. Manuel, D. João III, continuada na dinastia filipina,  e que se estrutura no século XVIII, com a reforma joanina dos arcebispados de Lisboa. Com o Marquês de Pombal já encontramos, na documentação coeva, a estrutura da maioria das freguesias concelhias  . Passará mais tarde para Tomar, a da Igreja Nova (a actual Paialvo). Na segunda metade do século XIX, foi anexa ao concelho a freguesia de Mira de Aire, autonomizada no século XX. Com a instalação da República, separam-se as que irão formar o concelho de Alcanena (Alcanena, Monsanto, Bugalhos). O concelho perdeu espaço, uma vez mais, na ditadura saída do 28 de Maio de 1926, quando se transformou o lugar do Entroncamento, da freguesia de S.Tiago, em concelho. Em meados do século XX, foi autonomizado o lugar de Riachos, transformado em freguesia autónoma.
O 25 de Abril veio, ainda, originar novas mudanças: a rural das Lapas associada à cintura das freguesias da cidade e a criação da freguesia de Meia Via, destacada da de S. Tiago.
Se não mudou o espaço, o tempo e a acção social, política e religiosa das elites e, por outro lado, com o acordo ou a passividade das populações, forjaram o nascimento, casamento, divórcio e morte de diversas freguesias e o tamanho do concelho.
2 - Uma segunda constatação: a reforma administrativa dos concelhos e a das freguesias, raramente surge por exigência das populações locais, mas sim por razões de estratégia de domínio – em qualquer época - dos interesses dos detentores do poder. Hoje, por razões de «falso economicismo» governamental, como simplificadora da burocracia administrativa das freguesias, excessivas em número e minoritárias em população, já que nos concelhos é mais complicado e difícil de mexer, ignora, de antemão, o que conduziu um país a dividir-se em duas regiões desiguais e opostas, uma, ao longo da periferia costeira, desenvolvida (?), urbana, assente nos sectores secundário e terciário, outra, no interior, rural, envelhecida, desertificada, dominada pela igreja católica, conservadora e auto-suficiente no abastecimento alimentar, mas carente dos sectores civilizacionais contemporâneos: água, esgotos, telecomunicações, serviços de saúde e de educação.
Não creio que se possa, como irá inevitavelmente acontecer, meter todos os ovos no mesmo cesto, tratando o interior como o litoral, as freguesias de Bragança, ou as do Alentejo interior, como as de Lisboa e de Setúbal; ou mesmo localmente, a da Paço, ou da Chancelaria, como a do Salvador.
Há particularismos que definiram mentalidades, modos de produção que definiram formas sociais particulares de existência, ambientes que geracionaram formas de conduta e pensamento individualizados, que nem as regras estatais colectivas e uniformizantes (Estado, administração centralizada, funcionalismo público, religião católica apostólica romana hierarquizada) conseguiram universalizar.
A história concelhia guarda exemplos significativos desse divórcio entre a demografia estatística dos planos dos governos centrais e os anseios das populações. Exemplos bem recentes concelhios são a criação das mega-escolas e a transferência das populações estudantis, como por exemplo, para a do Pedrógão, das crianças das freguesias da Zibreira e da Ribeira, conduzindo a prazo, naquelas, à desertificação e ruína dos povoados rurais, com as inevitáveis consequências ambientais, económicas, sociais e culturais.
3 – Não sou a favor da eliminação das freguesias do concelho de Torres Novas, entidades definidas ao longo dos séculos, com características e estruturas próprias que, mau grado os elementos de organização, controlo, manipulação e domínio dos poderes temporais e religiosos, se mantiveram com um fundo atemporal e individualizado, ou se forjaram paralelamente a partir dos condicionalismos persecutórios e impeditivos das identidades ou grupos étnicos diferenciados.
4 -Já o mesmo não digo das suas junções administrativas.
 Considero bem mais urgente a reforma da legislação eleitoral nacional e municipal, quer na obrigatoriedade do voto, quer na penalização do número de deputados ou vereadores pela abstenção e voto nulo declarados em urna, quer na total alteração da acção das assembleias municipais, hoje órgãos totalmente secundarizados, com a redefinição da sua intervenção na fiscalização e controlo da Câmara Municipal, com a existência obrigatória duma comissão permanente durante todo o seu mandato, com actividade de fiscalização sistemática dos actos das vereações municipais, e de uma periodização maior da sua actividade.
Um outro elemento deturpador da acção deliberativa e fiscalizadora das Assembleias Municipais consiste na dupla função dos presidentes de junta que, eleitos para as freguesias, que votam individualmente nas assembleias municipais, ao serviço do partido por que concorreram e não pelos interesses das populações que representam. Aceita-se que os mesmos intervenham nas assembleias, como representantes dos interesses das suas freguesias, mas sem direito a voto, já que alteram a posição dos eleitos desse órgão, e neles as populações não votaram para essa específica função. É uma fraude à votação municipal, esse direito do representante da freguesia, que a partidarização política presidencializou, votando segundo o interesse do partido que representa.
5 – Duvido, mas é uma questão a debater, que as propostas do Dr. João Carlos Lopes sobre a fusão em juntas únicas das freguesias Lapas-Ribeira(?), Alcorochel–Brogueira, Parceiros-Zibreira, Assentis-Paço(?), ganhem em pragmática administrativa o que perdem em identidade patrimonial e ambiental. Mas estou de acordo na junção das quatro freguesias da vila numa única entidade administrativa.
6 – Essa junções irão criar problemas com a mentalidade religiosa, já que, desde o século XIII, e, mais tarde, com a centralização hierárquica das freguesias, a partir do Concílio de Trento, as freguesias são definidas pelos seus oragos católicos, que se mantiveram até hoje, forjando tradicionalmente a mentalidade e sintetizando particularismos locais.
7 - Acima de tudo, importa que as populações das freguesias do concelho se mobilizem para o debate que lhes diz directamente respeito e não deixem nas mãos dos intelectuais, dos partidos políticos, dos presidentes das juntas, dos vereadores e deputados municipais (simples representantes dos partidos políticos), deliberações de que, mais tarde, se poderão ou não – então será tarde – arrepender.
A democracia começa na participação de cada um. Se se ficarem só pela procissão do actual orago, pela festa da localidade, e se ausentarem de tudo o que diz respeito ao seu viver colectivo, ambiente, educação, saúde, organização do território, depois não se queixem.

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Actualizado em ( Quarta, 03 Agosto 2011 15:36 )